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História nº 24: Diário da menina que queria ser japonesa (1)

26/1/2009

Por quê? Por que tenho que voltar para o Brasil? É mesmo verdade? Perguntei a Mammy, mas ela estava muito ocupada arrumando a cozinha. Achei estranho que naquela hora ela nem me pediu para ajudar.

Na verdade, eu não quero voltar! Lembro que a Mammy tinha falado: Ano que vem você vai fazer a 5ª série, então tem que estudar mais inglês. A Mammy ensinava inglês na mesma escola brasileira onde eu estudava. Então por que decidiu voltar para o Brasil, assim de repente? Fiquei pasma! Eu não sei o que se passa na cabeça da Mammy, não sei mesmo.

Amanhã a esta hora nós já vamos estar dentro do avião. Não tem mais jeito.

Meu querido Diário,

Boa noite.


1/4/2009

Querido Diário, quanto tempo, né? Aconteceram muitas coisas que não deu para escrever. Desculpe.

Chegando aqui, eu não fui junto com a Mammy para Maringá. Lá mora a mãe da Mammy, então eu queria tanto ir, mas por causa da escola eu não pude.

Eu fiquei em São Paulo morando na casa do papai e consegui vaga na escola aqui perto. Mammy e o papai se casaram e logo foram ao Japão. E depois de 1 ano eu nasci. Mas como não deu certo o papai trabalhar na fábrica, ele largou e veio embora para o Brasil. Depois disso nunca mais voltou. Eu e o papai nos encontramos depois de 8 anos.

Conheci os pais do papai e os irmãos dele também. Quando eu falei que o meu nome era Jéssica Carla, todo mundo olhou espantado!

E o tio Afonso disse: Mas esse nome não combina com a carinha de JAPA que você tem! Gelei na hora! Era o que eu não queria ouvir. Lá na escola brasileira onde estudei no Japão também me falaram assim. Nós, os alunos mestiços éramos divididos em 2 grupos: os que têm cara de JAPA e os que não têm cara de JAPA. Era uma brincadeira entre os alunos, mas tinha pai de aluno que dizia a mesma coisa.

Na verdade eu queria ter ficado no Japão para sempre. Eu queria estudar numa escola japonesa. Eu queria fazer amizade com as crianças japonesas. Eu queria ser uma japonesa de verdade!


14/7/2009

Cheguei na casa da Batchan e aqui é uma maravilha! Parece um sonho.

Chamá-la de Batchan é só aqui, tá? Porque a Mammy vive falando que eu sou brasileira, então não preciso falar em japonês. Mas não quero chamar a Batchan de “Vovó”, Batchan é muito melhor. Mais bonitinho, não acha?

Todo dia de manhã a Batchan serve um pão delicioso que ela faz e também “manju”. Depois de comer eu vou brincar com as minhas primas Lina e Akemy e jogamos videogame também.

Como eu queria continuar assim aqui! Morando na casa da Batchan, indo estudar na escola daqui, fazendo muitas amizades, mas acho que não tem mais jeito, pois a Mammy acaba de comprar apartamento em São Paulo, já arrumou emprego lá.

Mas sabe, a Batchan é minha aliada, me dá a maior força, então todo dia eu penso: Bem que ela podia ter uma longa conversa com a Mammy e no fim acabar convencendo ela.

Querido Diário, fica torcendo pra que tudo dê certo, tá?


25/1/2010

Querido Diário,

Eu estou muito, mas muito feliz!

Morar aqui com a Batchan é muito legal! A escola estou gostando muito! E agora estamos de férias – as férias de verão que eu adoro! Vou à piscina com minhas amigas. Eu me amarro no sorvete de “azuki”.

Que este ano seja o máximo! Passei para a 6ª série e logo as aulas vão começar! Não vejo a hora!

Também vou começar as minhas aulas de japonês, que não deu para ter quando estava no Japão! E estou frequentando a Escola Dominical todo domingo na igreja.

Querido Diário, vamos continuar nos falando este ano também, né?

Tchau! 

História nº 24 (2) >>

 

© 2015 Laura Honda-Hasegawa

Brasil dekasegi ficção trabalhadores estrangeiros Japão Nikkeis no Japão
Sobre esta série

Em 1988 li uma notícia sobre decasségui e logo pensei: “Isto pode dar uma boa história”. Mas nem imaginei que eu mesma pudesse ser a autora dessa história...

Em 1990 terminei meu primeiro livro e na cena final a personagem principal Kimiko parte para o Japão como decasségui. Onze anos depois me pediram para escrever um conto e acabei escolhendo o tema “Decasségui”. 

Em 2008 eu também passei pela experiência de ser decasségui, o que me fez indagar: O que é ser decasségui?Onde é o seu lugar?

Eu pude sentir na pele que o decasségui se situa num universo muito complicado.

Através desta série gostaria de, junto com você, refletir sobre estas questões.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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