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Filme sobre judô lançado no grande país da Copa

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Pouco antes da abertura da Copa do Mundo, foi lançado em todo o Brasil o filme “A Grande Vitória”, dirigido por Stefano Capuzzi. Trata-se da emocionante história de um jovem oriundo de família pobre que foi abandonado pelo pai imigrante italiano, mas que conheceu o judô que transformou a sua vida. No dia 9 de maio, o jornal Nikkey Shinbum entrevistou Max Trombini, 45, que por diversas vezes enfatizou o ditado “Se caíres sete vezes, levanta-te oito”. Ele é autor do livro “Aprendiz de Samurai” (Editora Évora, 2011), no qual o filme foi baseado.

Cartaz do filme sobre judô “A Grande Vitória”

Ao ser perguntado: “Para você, o que é o judô?”, Max responde: “É uma norma de vida”. E prossegue falando sobre a diferença desse esporte com os demais: “O futebol, por exemplo, é um modo de ganhar dinheiro; pode-se dizer que é um dos poucos meios que o garoto de família pobre dispõe para subir na vida. Mas o judô não é apenas ganhar a partida. Existe por trás a filosofia baseada no espírito dos samurais e, de modo geral, fortalece as atitudes em relação à vida e a maneira de pensar. Existe no judô algo que falta na sociedade brasileira e através da divulgação desse esporte, espero corresponder aos ensinamentos do professor Umakakeba”.

A partir do próximo dia 12 de junho a atenção do mundo estará voltada à Copa do Mundo, mas não são poucos os brasileiros que pensam assim do judô. Por isto, antes do início da Copa, foi lançado em todo o país não um filme sobre futebol, mas sobre judô.

Até hoje o judô brasileiro conquistou 18 medalhas olímpicas, o que corresponde a menos de 20% do total de 102 medalhas conquistadas pelo país. Não há dúvidas de que o judô ganhou um grande número de medalhas e o número de praticantes soma 500 mil. A propósito, como o número de alunos de língua japonesa é cerca de 20 mil, não há como comparar com o judô. Visando às Olimpíadas do Rio em 2016, pode-se dizer que o judô é a modalidade em que o povo deposita mais esperanças de vitória.

Cena do filme com Sabrina Sato no papel de namorada do protagonista interpretado por Caio Castro (Foto/Parisfilm)

Antes da guerra o judô estava restrito à sociedade nikkei

Antes da guerra, o judô existiu somente entre os  nikkeis. O primeiro feito excepcional deve-se a Mitsuyo Maeda (Conde Koma, 1880-1941, natural de Aomori). Inicialmente ele inaugurou uma academia em Nova Iorque; em seguida, percorreu o México, Cuba vencendo mais de mil competições. Na Europa, especialmente na Espanha, granjeou respeito como um grande mestre do Kodokan (primeira escola de judô). Por fim, desembarcou na cidade de Belém, à beira do rio Amazonas, onde, além de prestar serviços aos imigrantes, ensinou jiu-jitsu à primeira geração Gracie. A partir de então, desenvolveu-se o Brazilian Jiu-Jitsu.

Em 1917, Tatsuo Okoshi também começou em Nova Iorque, onde fazia pesquisas de farmácia no laboratório do dr. Jokichi Takamine e ao mesmo tempo ensinava judô. Em 1924, imigrou desta vez para o Brasil e junto com mestres como Seisetsu Fukaya, Soubei Tani, Futoshi Yoshima, Ryuuzo Akao e Takeshi Kunii fundou a Federação Brasileira de Judô e Kendô, que desenvolveu ativamente as artes marciais até interromper as atividades com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

O mestre de Max, Uichiro Umakakeba (68 anos, natural de Wakayama) imigrou para o Brasil aos 10 anos, em 1956, acompanhando sua família. Pessoas como Umakakeba, que nasceram no Japão, mas desenvolveram sua personalidade no Brasil nós dizemos que são “jun-nissei”. Quer dizer, dominam a língua portuguesa e compreendem o modo brasileiro de pensar. Pode-se dizer que é uma geração de transição de onde podem sair japoneses capazes de argumentar de igual para igual com a elite da sociedade local.

Foi esse judô que vinha sendo praticado no Brasil desde antes da guerra que Umakakeba veio a conhecer.

Cena de luta no filme (Foto/Parisfilm)

Ishii conquista a medalha olímpica praticando judô através da América do Sul

Depois da guerra, o feito que tornou o judô conhecido pelos brasileiros em geral foi a medalha de bronze conquistada por Chiaki Ishii (72 anos, natural de Tochigi, naturalizado brasileiro) nas Olimpíadas de Munique, em 1972. Ishii, que não tinha sido escolhido para participar das Olimpíadas de Tóquio, em 1964, desistiu do judô e ingressou na Universidade de Waseda com o desejo de ser um grande fazendeiro. E no dia seguinte ao da formatura, ele embarcou no navio que o traria ao Brasil como imigrante. Contava apenas 22 anos de idade. Ocorre que, logo que chegou ao Brasil ele foi convidado a participar de um torneio nacional de judô e sagrou-se campeão.

Entusiasmado com a repentina vitória, Ishii decidiu viver o sonho mais uma vez e, durante um ano e meio, percorreu a América do Sul participando de torneios. Sem conhecer direito a língua, ele desafiava os competidores dizendo: “Dou cinco mil dólares se ganhar de mim” e acumulou experiências de luta com praticantes de artes marciais mistas, boxeadores e lutadores de luta livre.

Ao conhecer Umakakeba, Ishii procurou transmitir-lhe tudo o que sabia. Mas por não possuir nacionalidade brasileira, ele não se conformava em não poder participar dos torneios, enquanto seus alunos melhoravam seu desempenho seguidamente. Foi quando Augusto Cordeiro, primeiro presidente da Confederação Brasileira de Judô, aconselhou-o a naturalizar-se.

Ishii com seu livro lançado em março

Na época, a maioria dos líderes nikkeis de judô foi contra, dizendo que “quem aprendeu judô no Japão, em vez de participar de torneios, deve ensinar aos brasileiros”. Mas Ishii naturalizou-se e conquistou com brilhantismo a medalha de bronze. Como resultado, os brasileiros em geral comemoraram o feito e os nikkeis deram mão à palmatória.

Ishii relembra: “Depois disso, quando fui ao Japão me trataram como se fosse um traidor. Na época da faculdade, havia no Japão de 20 a 30 lutadores como eu. O desgosto por não ter participado nas Olimpíadas me impulsionou a continuar praticando durante oito anos pela América do Sul”. Nem antes, nem depois dele, consta que não houve outro atleta que fosse naturalizado e tivesse levado uma medalha olímpica.

Umakakeba, considerado o maior discípulo de Ishii, atualmente administra em Bastos, estado de São Paulo, uma grande academia de judô. Foi de lá que saiu Tiago Camilo, medalha de prata em Sidney, além de quatro outros atletas olímpicos. Justamente por ser “jun-nissei”, ele soube desempenhar o papel de mestre de brasileiros e divulgador do judô.

Max nasceu em Ubatuba, cidade do litoral do estado de São Paulo, de família humilde. Abandonado pelo pai, ele foi uma criança problemática, envolvendo-se em confusões na escola a ponto de quase ser expulso. Foi quando alguém sugeriu que fizesse judô e ele começou a frequentar o “dojo” local: “Comecei a pensar diferente e parei de brigar na escola”, diz ele.

Para pagar a mensalidade da academia de judô, sua mãe empregou todo o dinheiro que ganhava como empregada doméstica. Como não podia comprar o “keikogui”, ela pediu saco de farinha na padaria e confeccionou o traje só pelo olhômetro. Max relembra com um riso que era idêntico ao verdadeiro, mas a gola chegou a esfolar o pescoço.

As aulas eram três vezes na semana, mas Max treinava diariamente na praia, tanto que a população vizinha comentava: “Aquele cara ficou maluco”. Depois, participou de um treinamento de inverno na escola do professor Umakakeba, passou a morar lá e começou a aprender o judô verdadeiro. Começando aos 18 anos, permaneceu lá durante quatro anos forjando seu aprendizado. Pela manhã fazia exercícios de fortalecimento muscular e à tarde eram seis horas diárias de treino. “Dediquei-me de corpo e alma para ser um atleta olímpico, mas não consegui. Como tenho nacionalidade italiana, pensei em ser professor de judô na Itália ou nos Estados Unidos, até que um clube esportivo da capital paulista me contratou”.

Do livro autobiográfico para o cinema

Depois que Max publicou o seu livro autobiográfico “Aprendiz de Samurai”, um jovem que acabava de se formar em cinema contatou-o dizendo que queria fazer um filme documentário. Esse jovem diretor estava ligado à produtora de Fernando Meirelles.

O próprio Meirelles havia apreciado a obra: “É um filme que o Brasil está precisando. E que deve ser mostrado principalmente aos jovens. Eu apoio integralmente”. Assim, o filme começou a ser rodado, dirigido pelo jovem que havia procurado Max. Fernando Meirelles foi indicado para o Oscar de Melhor Diretor com “Cidade de Deus”, filme de 2002 que tem como cenário a famosa favela carioca.

Por coincidência, em agosto do ano passado foi realizado no Rio o Campeonato Mundial de Judô, onde Rafaela Silva, 21, foi a primeira judoca a conquistar uma medalha de ouro. Ela que nasceu na Cidade de Deus, a exemplo de Max, quando tinha 5 anos de idade, vivia nas ruas envolvida em brigas até que foi resgatada por uma ONG e foi levada a praticar esportes de combate.

Crescendo numa das cidades do mundo onde mais se vê a injustiça social, Rafaela conseguiu encontrar equilíbrio emocional e físico no judô, que a levou a ser a melhor do mundo. Trata-se de um bom exemplo de como o esporte do Japão, através de sua base filosófica, serviu para complementar a parte mais fraca da sociedade brasileira, mostrando ao mundo algo do qual o Brasil pode orgulhar-se. Pode-se dizer que foi a vitória de uma “filosofia” que transpõe fronteiras chamada judô. 

Caio Castro no papel de Max (Foto/Parisfilm)

Desde três anos antes da estreia do filme, Caio Castro, que faz o papel principal, passou seis meses na casa de Max exercitando-se no judô. O presidente da Associação Kobra de Cultura e Esporte - Akobrace, Takanori Sekine, garante que as técnicas aplicadas no filme são verdadeiras. Max espera que o filme seja também lançado no Japão e que seu livro possa ser traduzido para o japonês e o mestre Umakakeba complementa: “Filmes sobre judô são raros hoje em dia no Japão, espero que este seja assistido lá sem falta”.

A granja que a família Umakakeba administrava faliu alguns anos atrás, mas o mestre orgulha-se em dizer que graças à filosofia aprendida do mestre Ishii - “Se caíres sete vezes, levanta-te oito” - ,  as dívidas foram pagas e tanto a fazenda como a academia voltaram a funcionar normalmente. E justamente por ter acompanhado tudo, Max repetiu tais palavras no início da entrevista.

O próprio Ishii, que tem por discípulo Max, neste mês de março publicou o livro “ Burajiru judo no paionya” (trad. literal Pioneiros do judô brasileiro). Trata-se de um importante livro sobre a história do judô, centrado na história de muitos lutadores que o antecederam. Suas três filhas são faixas-pretas e sua neta, filha da filha mais velha, foi campeã pan-americana em 2013. “Nas Olimpíadas de 2016 espero que conquiste medalha”, diz depositando todas as esperanças na neta, já que a filha não conseguiu realizar esse sonho.

E depois do Rio, o destino será as Olimpíadas de Tóquio. Se em 2020 a sua neta ou um de seus discípulos conquistarem a medalha de ouro, Ishii vai se sentir regressando à terra natal não vestindo traje luxuoso, mas levando o “ouro” que é mais do que um título.

À esq. Umakakeba, Max, Sekine

 

© 2014 Masayuki Fukasawa

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About the Author

Nasceu na cidade de Numazu, província de Shizuoka, no dia 22 de novembro de 1965. Veio pela primeira vez ao Brasil em 1992 e estagiou no Jornal Paulista. Em 1995, voltou uma vez ao Japão e trabalhou junto com brasileiros numa fábrica em Oizumi, província de Gunma. Essa experiência resultou no livro “Parallel World”, detentor do Prêmio de melhor livro não ficção no Concurso Literário da Editora Ushio, em 1999. No mesmo ano, regressou ao Brasil. A partir de 2001, ele trabalhou na Nikkey Shimbun e tornou-se editor-chefe em 2004. É editor-chefe do Diário Brasil Nippou desde 2022.

Atualizado em janeiro de 2022

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