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Defendendo Nikkeis: Hugh Macbeth e o Encarceramento de Nipo-Americanos

Hugh Macbeth, Sr., um advogado negro de Los Angeles, está praticamente esquecido nos dias de hoje, mas ele merece ser homenageado como um espetacular defensor dos nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial. Nascido em Charleston, na Carolina do Sul, em 1884, Hugh Ellwood Macbeth cursou a Fisk University e a Faculdade de Direito de Harvard, se formando em 1908. Depois de morar alguns anos em Baltimore, onde ele fundou o jornal The Baltimore Times, em 1913 ele se mudou para a Califórnia.

A família Yoshimura chegando em Camp Harmony, um campo de internamento provisório perto de Seattle, no estado de Washington, em 1942. Dono da imagem: Domínio público.

Nas décadas seguintes, Macbeth se tornou um personagem importante no meio jurídico e político de Los Angeles. Sua meta principal era proporcionar assistência a negros envolvidos em processos judiciais e réus criminais, representando clientes notáveis tais como o grande nome do jazz, Jelly Roll Morton. Macbeth atuou em numerosos casos desafiando leis de segregação racial e convênios de segregação residencial. Em 1940, ele convenceu a Legião Americana a acabar com a exclusão de boxeadores negros de seus anúncios de lutas de boxe no estádio Hollywood Legion. Ainda assim, a firma de Macbeth tinha muitos clientes brancos, e ele permaneceu ativo na sociedade em geral. Em 1934, Macbeth foi nomeado conselheiro geral da Sociedade Utópica, um grupo predominantemente branco dedicado a reformas econômicas, e contando com 600.000 membros. Apesar do fato de Macbeth ter sofrido críticas por trabalhar fora dos limites da comunidade negra, seus contatos abrangentes resultaram na sua nomeação como cônsul na Libéria em 1936. Dois anos depois, quando o governador Frank Merriam criou a Comissão de Relações Raciais da Califórnia, Macbeth, que havia redigido o projeto de lei estabelecendo a comissão, foi nomeado Secretário Executivo e seu único Comissário negro.

Macbeth manteve contatos próximos com os nipo-americanos. Ele morava em Jefferson Park em Los Angeles, na época uma área habitada na maior parte por japoneses. O filho de Macbeth, Hugh, Jr., que posteriormente se tornou seu parceiro de advocacia, lembrava que quando criança, depois das aulas, ele ia para a escola japonesa com seus amigos nisseis; caso contrário, ele não teria ninguém com quem brincar na vizinhança. Na escola, Hugh, Jr., estudou o idioma japonês e judô. (Como também pegou o preconceito da comunidade contra chineses e filipinos!) Enquanto isso, a família Macbeth adotou informalmente um nissei órfão, Kenji Horita.

No começo de janeiro de 1942, pouco depois do ataque em Pearl Harbor, Macbeth viajou para Guadalupe e Santa Bárbara, na Califórnia, para investigar casos de isseis detidos pelo governo no mês anterior e encarcerados em Missoula, no estado de Montana. Após entrevistar os familiares dos encarcerados, ele descobriu que aqueles levados pelo governo eram fazendeiros prósperos, e que não havia qualquer evidência de atos de sabotagem. Ele logo chegou à conclusão que a remoção havia sido planejada para atender os interesses dos agricultores brancos, ansiosos para tomar a terra de cultivo dos isseis. Sentindo-se revoltado, Macbeth convidou liberais e grupos de igreja para ajudar a organizar um movimento de solidariedade aos nipo-americanos. Graças a Macbeth, a Comissão de Relações Raciais da Califórnia e a Aliança dos Pastores de Santa Bárbara se tornariam as duas únicas organizações no sul da Califórnia a opor oficialmente a remoção dos nipo-americanos.

Simultaneamente, Macbeth organizou outras iniciativas por todo o país. Ele se correspondeu com o líder socialista Norman Thomas, que usou as informações fornecidas por Macbeth em artigos de jornais e discursos no rádio, denunciando a Ordem Executiva 9066. Mais tarde, Macbeth foi co-signatário no panfleto de Thomas, “Democracia e os Nipo-Americanos”. O panfleto—distribuído em grande escala pela Liga dos Cidadãos Nipo-Americanos—denunciava as políticas do governo como “justiça totalitária” e exigia tanto o fim das remoções quanto compensações.

A declaração da Ordem Executiva 9066 em 19 de fevereiro de 1942 foi uma derrota para Macbeth. Em 22 de fevereiro, ele enviou ao presidente Roosevelt um telegrama solicitando, agora que sua ordem havia acalmado o medo de atos de sabotagem, permissão para que os “japoneses amantes da liberdade” pudessem retornar às suas atividades agrícolas “sob vigilância militar e com a assistência do governo”. Enquanto isso, ele expressou reservadamente sua grande tristeza com o fato de famílias serem “arrancadas pelas raiz” e expulsas de suas casas “sem saber para onde iam”. Em março de 1942, ele escreveu ao general John DeWitt para propor que fazendeiros leais aos E.U.A. obtivessem permissão para formar cooperativas e estabelecer colônias no estado de Utah. (O plano foi autorado por Hi Korematsu, cujo irmão, Fred, pouco depois iria desafiar as remoções.) Macbeth continuou a insistir com o general que as remoções refletiam “o generalizado e arraigado preconceito racial americano contra orientais, particularmente contra japoneses”. Como era de se esperar, DeWitt não se deu ao trabalho de responder. [Nota do Tradutor: John L. DeWitt recomendou a remoção de japoneses e nipo-americanos das áreas costeiras do Pacífico dos E.U.A., o que levou à Ordem Executiva 9066.]

Em maio de 1942, Macbeth visitou com sua esposa e irmão o Centro de Assembleia de Santa Anita para ver amigos e coletar informações sobre as condições no local. [Nota do Tradutor: “centros de assembleia” eram campos de internamento temporários para japoneses e nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial.] Pouco depois, ele viajou para Washington para discutir a situação dos nipo-americanos com os oficiais do Departamento de Justiça. (Com a ajuda de um cozinheiro da Casa Branca, Macbeth tentou, sem sucesso, conseguir “pela porta de serviço” uma audiência com o presidente Roosevelt para fazer um lobby em favor de uma ordem executiva que faria da discriminação racial um crime militar.)

Ao retornar à Califórnia, Macbeth se uniu ao advogado da ACLU [American Civil Liberties Union, ou Associação Americana (para a Defesa) dos Direitos Civis] A. L. Wirin na defesa de Ernest e Toki Wakayama. Nascido no Havaí em 1897, Ernest Kinzo Wakayama era funcionário sindical, veterano da Primeira Guerra Mundial, e oficial da Legião Americana, enquanto que Toki era um nissei da Califórnia. Os Wakayamas entraram com petições de habeas corpus, afirmando que não havia qualquer necessidade militar para as remoções e que a ordem exclusionária de DeWitt era tanto arbritrária quanto uma violação dos direitos civis. Em outubro de 1942, uma bancada de três juízes ouviu as petições. Na sua petição de apoio e argumento oral, Macbeth afirmou que o confinamento com base na raça de um indivíduo era um ato de discriminação inconstitucional. Em 4 de fevereiro de 1943, os juízes concederam uma providência de habeas corpus. No entanto, os Wakayamas, esgotados após terem sofrido várias surras e ostracismo no campo de internamento de Manzanar [na Califórnia], haviam retirado a sua petição e requerido “repatriamento” ao Japão.

Apesar desta derrota, Macbeth continuou a defender os nipo-americanos. Ele repetidamente escreveu para o diretor do WRA [War Relocation Authority, ou Agência para o Relocamento (de Nipo-Americanos) Durante a Guerra], Dillon Myer, oferecendo conselhos. Em um fórum público em Los Angeles em abril de 1943, ele corajosamente discursou a favor do retorno dos nipo-americanos à costa oeste americana. Em 1944, ele assinou um documento da Liga dos Cidadãos Nipo-Americanos no caso histórico Korematsu vs. Estados Unidos. Pouco depois, ele viajou para o campo de internamento de Amache [no Colorado] para oferecer orientação às famílias de nisseis que haviam resistido ao alistamento militar. Quando Chiyoko Sakamoto, a primeira mulher nissei a ingressar na Associação de Advogados da Califórnia, retornou de um campo de concentração em meados de 1945 e se viu incapaz de encontrar emprego, Macbeth a contratou para trabalhar com ele.

Em 1945, Macbeth e seu filho Hugh, Jr., se uniram ao conselheiro da Liga dos Cidadãos Nipo-Americanos, A. L. Wirin, no caso de Fred e Kojiro Oyama, que haviam desafiado a Lei das Terras Pertencentes a Alienígenas  na Califórnia. [Nota do Tradutor: neste caso, o termo “alienígenas” se refere aos estrangeiros que não podiam se tornar cidadãos americanos, particularmente os japoneses.] Em fevereiro de 1945, o caso do Povo Americano vs. Oyama foi debatido no Tribunal Superior do Condado de San Diego. Wirin e Macbeth afirmaram que leis com respeito a terras pertencentes a “alienígenas” já estavam ultrapassadas e puniam os réus simplesmente devido à sua raça. O juiz decidiu contra os Oyamas, e foi então que Macbeth abandonou o caso. No entanto, a decisão foi apelada e eventualmente chegou à Suprema Corte dos E.U.A. Em janeiro de 1948, a Corte concedeu a vitória aos Oyamas. O caso Oyamas vs. Califórnia não apenas acabou com a Lei das Terras Pertencentes a Alienígenas, como também proporcionou um precedente importante para julgamentos posteriores que acabaram derrubando as leis de segregação racial.

Hugh Macbeth morreu em 1956. Apesar de sua carreira ser obscura, sua paixão por justiça continua a ser inspiradora.

 

* Este artigo foi publicado originalmente no Nichi Bei Times em 7 de junho de 2007, e serviu como base para o capítulo “O Defensor de Los Angeles” do livro After Camp [Após o Campo (de Internamento)] de Greg Robinson.

 

© 2007 Greg Robinson

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About the Author

Greg Robinson, um nova-iorquino nativo, é professor de História na l'Université du Québec à Montréal, uma instituição de língua francesa em Montreal, no Canadá. Ele é autor dos livros By Order of the President: FDR and the Internment of Japanese Americans (Harvard University Press, 2001), A Tragedy of Democracy; Japanese Confinement in North America (Columbia University Press, 2009), After Camp: Portraits in Postwar Japanese Life and Politics (University of California Press, 2012) e Pacific Citizens: Larry and Guyo Tajiri and Japanese American Journalism in the World War II Era (University of Illinois Press, 2012), The Great Unknown: Japanese American Sketches (University Press of Colorado, 2016) e coeditor da antologia Miné Okubo: Following Her Own Road (University of Washington Press, 2008). Robinson também é co-editor de John Okada - The Life & Rediscovered Work of the Author of No-No Boy (University of Washington Press, 2018). Seu livro mais recente é uma antologia de suas colunas, The Unsung Great: Portraits of Extraordinary Japanese Americans (University of Washington Press, 2020). Ele pode ser contatado no e-mail robinson.greg@uqam.ca.

Atualizado em julho de 2021

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