Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2014/11/24/child-of-a-thousand-generations/

A Criança de Mil Gerações

1 comments

A minha formatura na faculdade (meu avô à esquerda, eu no meio e minha família).

 

A história do meu nome do meio me trouxe orgulho e também pressão quando eu ainda era criança. O meu nome do meio é Chiyoko, em homenagem à minha avó Chiyoko, a mãe do meu pai. A minha avó teve câncer de estômago antes do meu nascimento. Ela tentou sobreviver para me ver nascer, mas faleceu poucos meses antes do meu nascimento. Os meus pais me contaram como a família ficou triste com a morte da minha avó, mas eu trouxe a felicidade de volta à família. As recordações favoritas que o meu pai tinha de mim quando bebê eram de me levar para a casa do meu avô, onde ele cantava e dançava comigo. 

Na minha infância eu passei muito tempo com o meu avô, que morava numa colina perto da minha casa, com a sua irmã—minha tia-avó—e com a filha dele, minha tia. O meu avô e a minha tia-avó eram viúvos, e ficar na casa deles era uma mistura de melancolia e cortesia, mas ainda assim [era uma atmosfera] repleta de amor.

Após a janta, meu avô, minha tia, meu irmão e eu assistíamos o programa de TV "Roda da Sorte" e tentávamos adivinhar as respostas. Depois, o meu avô ia para o seu quarto e ligava a sua máquina de karaokê. Ele adorava cantar músicas japonesas do estilo enka no seu quarto. Eu nunca fui no seu quarto vê-lo cantar. Apesar de não entender japonês e de não conseguir entender o que ele estava cantando, eu podia ouvir a tristeza e a saudade na sua voz. Eu fantasiava que ele estava cantando para a minha avó.

Meu avô visitando a minha avó e sua família no Campo de Internamento do Rio Gila durante a Segunda Guerra Mundial

Meu avô e eu tínhamos "energias" semelhantes; podíamos ser muito simpáticos e extrovertidos, mas éramos predominantemente introvertidos. Eu o observava calmamente dia após dia, jogando Paciência. Até que um dia eu perguntei ao meu avô se eu podia jogar Paciência. Ele então me ensinou. Aí a rotina mudou; nós nos sentávamos juntos silenciosamente à mesa, jogando Paciência antes do jantar. Uma vez, eu perguntei a ele: "O que quer dizer Chiyoko?" Ele não sabia. Então pegou um pedaço de papel e escreveu meu nome em kanji japonês para que eu guardasse comigo.

Como o meu avô não sabia o que meu nome do meio significava, eu fiz pesquisa na Internet. Descobri que Chiyoko quer dizer "criança de mil gerações." Ao ver a definição do meu nome na tela do computador, mais uma vez senti orgulho e pressão. Eu sabia que o meu nome era uma homenagem à minha avó por uma certa razão, e novamente me senti ligada a ela. Mas será que eu poderia viver de forma a fazer jus a este nome, e assim dar orgulho às gerações passadas? Será que eu poderia me tornar uma mulher forte como a minha avó?

Isso me leva a este último ano. Eu era uma mulher de 29 anos morando em Seattle, no estado de Washington, me sentindo totalmente confusa, sem saber o que fazer da minha vida. Nos últimos dois anos, uma coisa começou a se mexer dentro de mim, me dizendo que precisava de uma mudança. Por isso comecei a tentar um monte de coisas novas. Eu voltei a me desafiar fisicamente. Retornei ao judô, um esporte no qual eu havia me dado muito bem no passado. Eu tomei parte na minha primeira competição em mais de dez anos. Fiquei surpresa de lutar com uma jovem de 17 anos que me derrotou. Meu ego ficou ferido, mas quando eu olhei para ela, vi que ela era eu quando tinha 17 anos. Eu pude ver seu amor e desejo pelo esporte, os quais eu já não possuía. Eu me senti orgulhosa de mim mesma por ter tentado, mas percebi que não era mais a minha vocação.

Ao mesmo tempo, eu decidi me inscrever num programa de doutorado. Eu estava apavorada. Em vez de passar um ou dois anos pesquisando os programas de pós-graduação e me preparando como os meus colegas, eu dei conta de tudo correndo em três meses. Eu tinha certeza de que uma vez que tomasse uma decisão, o universo e a minha avó me dariam o que eu queria. Se eu fosse aceita num programa de doutorado, o meu destino ficaria definido nos anos seguintes e eu poderia me mudar para mais perto da minha família na Califórnia.

Em abril, tudo desmoronou. Eu recebi a notícia de que estava na lista de espera do programa de doutorado. Ao mesmo tempo, um amigo faleceu. Liguei para a minha família, chorando no telefone, chateada com o que o destino havia me trazido. Meu pai me garantiu que era essencial ter paciência e que aquele não era o momento certo. Mas isso não era o que eu queria escutar. Eu estava com raiva. Eu não queria esperar mais. Rezei para a minha avó, pedindo orientação. Por que eu não conseguia o que queria? O que eu deveria fazer? O que ela estava tentando me ensinar?

Após a tempestade de abril na minha vida, eu decidi deixar de lado a pressão que havia colocado em mim mesma. Eu não sabia qual seria a minha próxima etapa e, com toda a honestidade, eu não queria nem saber. Foi então que começaram a aparecer oportunidades. Fiquei surpresa quando o meu chefe me pediu para participar de uma conferência em junho em Washington. Em seguida, outro chefe me ofereceu a chance de participar de um treinamento de liderança em julho.

Quando eu fui a trabalho para Washington em junho, eu sabia que teria que tomar conta de coisas pessoais ligadas ao meu conhecimento sobre a minha avó. Os Arquivos Nacionais dos E.U.A. em Washington tinham registros do internamento de japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Eu decidi ir até lá para ler o arquivo da minha avó sobre a sua estada no Campo de Internamento do Rio Gila, no Arizona, na época da Segunda Guerra Mundial.

Eu não esperava o turbilhão de emoções que tomou conta de mim ao ler os arquivos do internamento de japoneses envolvendo a minha avó, que tinha a minha idade na época. Mesmo neste lugar injusto, ela escreveu cartas para os administradores do campo perguntando se poderia ser transferida para trabalhar como barbeira e se havia alguém que empregaria uma mulher japonesa. Ela era sempre recusada, mas continuou tentando. Isto trouxe à tona um outro aspecto da história da minha família, pois percebi que ela deve ter incentivado o meu avô a virar barbeiro depois da guerra. Juntos, eles conseguiram abrir sua própria barbearia em Los Angeles. Isso me provou a sua tenacidade e esperteza para conseguir o que queria.

Carta da minha avó ao oficial da entidade governamental responsável pelo relocamento de nipo-americanos durante a Segunda Guerra Mundial.

Em julho, fui para Los Angeles participar de um treinamento de liderança para descedentes da região Ásia-Pacífico no meu campo profissonal. O treinamento de liderança me proporcionou a oportunidade de avaliar e refletir sobre a minha vida e onde eu gostaria de estar, como também de conversar com conselheiros que me mostraram como chegar lá. O treinamento fez com que eu me desse conta dos meus valores pessoais e de como é importante para mim ter a força da minha família e comunidade. Se a minha avó podia estar presa num campo de internamento, com a saúde debilitada, sofrendo racismo, e ainda assim conseguindo ir atrás dos seus objetivos, então eu também posso realizar os meus objetivos. Ao me despedir da minha conselheira, ela me chamou num canto e disse: "Você está pronta para uma mudança. Tenho certeza que você vai acabar de volta aqui na Califórnia".

Pode ser que a minha avó tenha visto que eu aprendi minha lição, porque as coisas começaram a mudar. Quando voltei para Seattle depois do treinamento de liderança, eu recebi um e-mail me oferecendo um emprego na Califórnia. Então, muito rapidamente e inesperadamente, me deram o trabalho e eu me vi organizando tudo para ir embora de Seattle e voltar à minha família na Califórnia.

Quando me mudei para Seattle há seis anos atrás, o meu avô me deu um cartão me desejando sorte e aguardando o meu retorno. Desde então, o meu avô faleceu e penso em como ele causou um impacto na minha vida. Como esse último ano tem sido uma jornada pessoal para eu descobrir o que quero, para me sentir confortável com meus medos e para seguir adiante apesar dos meus medos de mudança, eu tenho invocado a força do meu avô e da minha avó. Agora entendo porque me chamo Chiyoko, "criança de mil gerações", e caminho com coragem sabendo que meus avós estão sempre comigo.

 

* * * * *

O nosso Comitê Editorial escolheu este artigo como um dos seus relatos favoritos da série Nomes Nikkeis. Aqui estão os comentários.

Comentário de Susan Ito

Este artigo retrata o vínculo familiar entre uma neta e seu avô japonês. Apesar de não compartilharem um idioma em comum, me senti comovida com a cena na qual ela escuta ele cantando karaokê em japonês, e pode ouvir a saudade na sua voz. Quando ela pergunta sobre a origem do seu nome do meio, Chiyoko, ele responde ao escrevê-lo em kanji. Mais tarde, ela descobre a força e a tenacidade da sua avó, usando-as como inspiração para seguir adiante durante períodos difíceis. Ela acredita que ser “filha de mil gerações” significa se inspirar nos seus antepassados e familiares ao avançar rumo ao futuro.

Comentário de Andrew Leong

Chanda Ishisaka reflete sobre a mortalidade humana e a necessidade de seguir vivendo, as vantagens e as desvantagens de um nome que quer dizer “filha de mil gerações.” Corajosa na sua descrição de difíceis emoções de pesar e árduas realizações, a história de Ishisaka comemora o que é transmitido por um nome, mas sem cair no sentimentalismo.

Comentário de Tamiko Nimura

A narrativa de Chanda explora a questão dos nomes nikkeis, levando o questionamento além de um simples “porque me deram esse nome?” Indo mais a fundo, ela pergunta: “como vou seguir adiante com o legado do meu nome?” A história é notável devido à transformação da sua narradora e sua habilidade de relatar cenas com a quantidade certa de detalhes (por exemplo, o avô cantando enka enquanto os netos assistem [o programa de TV] Wheel of Fortune (Roda da Fortuna) é uma excelente passagem). Também aprecio o fato desse relato ser relevante para diversas gerações.

 

© 2014 Chanda Ishisaka

cultura Descubra Nikkei enka famílias avós( identidade música nomes Crônicas Nikkeis (série) Nomes Nikkeis (série) pais Segunda Guerra Mundial Campos de concentração da Segunda Guerra Mundial
Sobre esta série

O que um nome quer dizer? Esta série apresenta histórias que exploram os significados, origens e as histórias ainda não contadas por trás dos nomes pessoais nikkeis. Estes podem incluir primeiros nomes, sobrenomes e até mesmo apelidos!

Para este projeto, pedimos à nossa comunidade Nima-kai para votar nas suas histórias favoritas e ao nosso Comitê Editorial para escolher as suas favoritas. Aqui estão as histórias favoritas:


  Seleções dos Comitês Editoriais:

  Escolha do Nima-kai

Para maiores informações sobre este projeto literário >>


Confira estas outras séries de Crônicas Nikkeis >>

Mais informações
About the Author

Chanda Ishisaka nasceu e foi criada em Monterey Park, no Condado de Los Angeles, na Califórnia. Ela é yonsei de etnia mista, sendo parte nipo-americana da quarta geração e parte mexicana-americana. Ela morou em Seattle, no estado de Washington, por seis anos, onde, com alegria, participou na comunidade japonesa e atuou no Comitê de Planejamento de Peregrinação a Minidoka, o qual visava organizar uma peregrinação anual a Minidoka, campo de incarceramento da Segunda Guerra Mundial, localizado no estado de Idaho. Ela atualmente reside em Orange County, na Califórnia.

Atualizado em novembro de 2014

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações