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Feliz Ano-Novo! Lembranças do Oshogatsu com “moti”

- No Natal teremos pratos brasileiros e no Oshogatsu1 a comida tradicional do Ano-Novo japonês. Nós, nikkeis, podemos ter banquete em dobro, somos verdadeiramente abençoados!

Era o que mamãe dizia todo final de ano. E eu também penso assim. Ganhamos muito por conhecermos duas culturas diferentes.

Ozoni de mamãe

Nas comemorações de Natal e Ano-Novo em casa éramos sempre três: papai, mamãe e eu. Embora em pequeno número, nossas reuniões foram momentos muito importantes em nossas vidas. Pude sentir isso de maneira profunda no primeiro dia do ano de 1991. Mamãe havia falecido em maio do ano anterior e eu preparei o ozoni do mesmo modo como ela fazia e servi.

Ao ver a mesa posta, papai começou a chorar alto. Eu me surpreendi tanto a ponto de ficar parada sem saber o que fazer. As lágrimas de papai eram uma demonstração de gratidão e sentimento pela esposa que esteve ao seu lado durante 48 anos. Depois, ainda pediu desculpas dizendo: “Me desculpe, chorei sem querer”.

Desde criança, comer o ozoni de mamãe era algo especial para mim. À primeira vista, parecia mais saboroso do que um prato de sopa, além de que o “moti” redondo dentro da tigela era um ingrediente incomum. Naquela época esse bolo de arroz glutinoso era consumido apenas em ocasiões especiais. Lembro-me que mamãe encomendava com antecedência e, no dia 31 de dezembro, papai ia buscar na loja.

Por um longo tempo, o único ozoni que eu conhecia era o ozoni de mamãe. Mas certa vez eu conversava com uma colega de serviço sobre a comida tradicional de Ano-Novo e veio à baila o ozoni. Foi quando ela falou algo inusitado: “Sabia que, além da cenoura e do inhame, se você puser gobo, fica mais saboroso ainda?”

Hein?! Do que está falando? Isso não é o “nishimê”?

Chegando em casa, mais do que depressa contei isso a mamãe e ela pareceu divertir-se vendo minha cara de espanto e dúvida e explicou: “O modo de preparar o ozoni depende de qual região do Japão a família se origina, porque lá o ozoni varia quanto ao formato do “moti”, os tipos de ingrediente e o modo de preparo conforme o lugar”.

Mesmo assim, o ozoni de mamãe era imbatível e hoje eu me lembro disso com muita saudade.

Aqui vai mais um episódio com relação ao “moti”.

Até os 12 anos de idade, eu pensava que “moti” era de formato redondo e duro por fora. Mas no verão daquele ano visitei a casa de meus avós maternos e comi pela primeira vez o “moti” feito na hora, que difere do comprado na loja, pois é mole e estica como borracha. Foi uma surpresa!

Também foi uma surpresa ver a minha avó – mais baixa do que eu e magrinha – molhando as mãos com água e revirando rapidamente a massa de arroz especial cozida no vapor, seguindo o ritmo do kine2. E que força a do meu tio ao socar essa massa dentro do pilão levantando o pesado kine.

Comi o “moti” temperado com cebolinha verde picada e shoyu e acompanhado de natto, receita caseira de minha avó. Depois disso, o natto também se tornou minha comida preferida.

E nunca mais esqueci o sabor do “moti” feito na hora!

Agora vou contar uma história sobre o kagami mochi, oferenda feita com “moti” em duas camadas e que se coloca no oratório budista. Eu já havia visto em filmes, em revistas e também nos mangás do Japão, mas aqui no Brasil nunca. Então, um dia, fui visitar uma família nikkei e, logo na garagem, vi umas coisas brancas em cima do carro; na sala, umas coisas brancas enfeitavam a mesa ao lado da televisão; entrando na cozinha, em cima da geladeira havia um enfeite igual.

Seria isso o kagami mochi? Verdade que era bem diferente do que eu conhecia. Como não tinham a parte inferior plana, em vez de sobrepostos, esses “moti” formavam uma pirâmide. Como eu nunca tinha visto nada semelhante ao original japonês nas lojas de produtos japoneses, presumi que esse seria o kagami mochi do Brasil. O que não deixou de ser mais uma surpresa!

Kagami mochi

Estive no Japão pela primeira vez há 40 anos, quando pude vivenciar o legítimo Oshogatsu. Foi quando soube que havia um “moti” quadrado e pequeno – a senhora do pensionato tinha assado sobre a grelha e nos servido. Também fui assistir ao mochitsuki, cerimônia de fazer “moti” igual a que eu havia visto na casa de minha avó mais de 10 anos antes. Foi uma maneira de me lembrar do “moti” de minha avó.

Mais recentemente, 4 anos atrás, assisti a um mochitsuki no Japão. Dessa vez, mais do que pensar no sabor do “moti”, fiquei encantada vendo os bonitões de happi3 e faixa na cabeça que preparavam a massa de arroz no pilão. Depois, saboreei o “moti” fresquinho com massa de feijão doce, uma delícia!  

Hoje também vou comemorar a chegada do ano com ozoni.

Feliz Ano-Novo a todos!

Notas:

1. Ano-Novo

2. Instrumento de madeira com o qual se soca o “moti” no pilão

3. Quimono curto

 

© 2014 Laura Honda-Hasegawa

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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