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Missa e funados

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É freqüente ver no Brasil, em muitas famílias de origem japonesa, a prática de missas religiosas em memória dos antecedentes falecidos, segundo os ritos mantidos tradicionalmente por gerações. Missas essas celebradas no sétimo dia, quadragésimo nono dia, um ano, três anos, sete anos, treze anos e assim por diante. Os ritos geralmente budistas, são realizados em templos como os do Nishi Hongwanji, Higashi Hongwanji, Jyodo Shinshu, Shingonshu, etc. dependendo das respectivas linhas budistas a que pertencem.

Templo Budista NISHI HONGANJI DA JYODO SHINSHU, próximo à Praça da Árvore em São Paulo. Vista externa.

Os templos são tão diversos que requerem uma boa checagem prévia sob pena de estar presente em missa equivocada. Não raro há dificuldade de estacionar automóveis nesses templos nos fins de semana. Chego a participar anualmente de sete a oito missas e enterros. Antigamente os casamentos superavam as missas fúnebres tendência que nos últimos anos tem sido inversa, proporcionalmente à medida que nos envelhecemos.

As missas fúnebres ultimamente estão diferentes. Creio que mais de setenta por cento dos participantes são nikkeis e não descendentes que não entendem a língua japonesa. Não deixa de ser estranha a paciência e o silêncio enquanto o monge entoa a longa oração (okyo inintelígel) e faz o sermão na maioria das vezes em japonês e os participantes fazem a oferenda do incenso.  Tudo em respeito à memória do falecido.

Na maioria das vezes o livreto de orações budistas à disposição dos participantes está impresso em caracteres romanos o que serve para o acompanhamento sonoro, mas, longe de permitir o menor entendimento da prece, mesmo para aqueles que entendem o japonês. Eu tive a oportunidade de ler certa vez que nas orações budistas, expressas em sânscrito o importante é a cadência, o ritmo do som da “mantra” entoada, criando um clima ideal para a meditação profunda. O entendimento geral é que se obtém a paz de espírito de quem entoa independentemente do significado da oração.

Templo Budista NISHI HONGANJI DA JYODO SHINSHU. Vista interna

Certa vez fui a uma missa em que somente a oração do monge durou quarenta e cinco minutos. Seguiu-se um sermão em português de outros quarenta e cinco minutos  Não guardei se quer uma frase do que o monge falou no sermão. Só me lembro de ter  esperado pelo momento dos comes e bebes...

Acho que faz sentido o momento agradável que os amigos e parentes do falecido se reúnem, oram e relembram o passado. Eu fui educado para respeitar os antepassados. Nós existimos graças aos nossos antepassados. O oratório que trazemos tradicionalmente nas nossas famílias é o símbolo da família.

Desde o falecimento da minha mãe eu sinto a grandeza que ela representou para mim e a falta que ela faz. O oratório que ela guardava com tanto carinho está agora comigo.  Simbolicamente sinto nele a presença dela e dos antepassados. São nossos protetores que nos confortam quando precisamos de ajuda.

No dia dos finados vamos ao cemitério, com minha esposa e os filhos. Diante do túmulo dos nossos avôs, acendemos incenso e oramos em memória deles. Eles geraram a minha mãe que me gerou. Eu e a minha esposa estávamos ali com os nossos filhos orando pela alma deles. Que momento místico e divino é o mistério da vida e as leis que regem o nosso universo.

Foto da família dos Okumura. Na missa de 1º ano da avó Nobu, tirada em 1974. Minha mãe é a quarta da direita.

* Esse ensaio foi publicado originalmente em japonês no São Paulo Shinbum no ano de 2004. Foi revisado e traduzido pelo autor em 2013.

© 2004 Hidemitsu Miyamura

Brasil Budismo funerais serviços memoriais religiões
Sobre esta série

Publicou em 2005 um livro de crônicas em japonês, com o título de Kagirinaku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い), coletâneas de matérias publicadas na coluna “Dokusha no room”,  no jornal São Paulo Shimbun. No livro constam episódios extraídos de um diário do seu pai com a jornada da sua vida. Falecido em 1995 com 81 anos, seu pai veio ao Brasil como imigrante em 1934 com 19 anos. Nesta série serão apresentados alguns episódios extraídos do livro.

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About the Author

Hidemitsu Miyamura, nascido em 01/01/1944 em Paraguaçu Paulista. Estudou japonês na infância em Apucarana no norte do Estado do Paraná. É engenheiro mecânico formado na Universidade Federal do Paraná. Trabalhou na empresa NEC do Brasil por 34 anos, retirando-se em 2001. Casado com a médica Alice, é pai de Douglas Hidehiro e Érica Hiromi. É autor do livro Kagiri Naku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い) publicado em 2005. Escreve crônicas no São Paulo Shimbun.

Atualizado em janeiro de 2013

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