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Teru teru Bozu que tomou chuva

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Quando eu digo que mantenho amizade até hoje com minhas amigas de infância, muita gente fica admirada. E quando falo que essa amizade vem durando 60 anos, o espanto é maior ainda. Mas todos acabam reconhecendo que é muito bom manter uma amizade assim, dizendo: “Isto é invejável”.

Essa amizade é um orgulho para mim. E não é uma amizade apenas com uma pessoa, mas com sete irmãos de uma família, que, 60 anos depois, tornou-se uma grande família de mais de 30 pessoas.

Um dia desses, fui fazer-lhes uma visita e quando já estava indo embora, eu me virei para trás e meus olhos se fixaram numa planta com umas flores inusitadas, que pareciam pedaços de papel bem amarrotado. Chegando mais perto, qual não foi o meu espanto ao ver que eram Teru teru Bozu!1

Foi uma grande surpresa! Uma planta com pouco mais de 1 metro com alguns Teru teru Bozu pendurados nos galhos. Diria que parecia uma árvore de Natal, mas os enfeites, em vez de vistosos, eram bonecos Teru teru Bozu de ar tristonho. Só de vê-los me deu uma tristeza!

Então a Keico falou séria:

- Eles não trabalharam direito!

- Como assim?

- A filha do Mário não casou outro dia?

- É mesmo! A Vivi vestida de noiva deve ter ficado linda! Mas, tem alguma relação esse casamento com os bonecos?

- Claro! A Vivi estava preocupada, pois não queria que chovesse no dia do casamento. Aí a Maria prometeu que ia fazer Teru teru Bozu para pedir que fizesse tempo bom.

- A Maria me contou que foi uma pena que choveu nesse dia! Mas já passou um tempinho, não? Então por que os Teru teru Bozu ainda estão pendurados?

- É que nós queremos mostrar para a Vivi que cumprimos o prometido, fizemos os bonecos. Quem falhou foram eles, os Teru teru Bozu.

Achei uma história interessante e boa e decidi escrevê-la.

Mas depois que cheguei neste trecho, enviei um e-mail para a Keico: “E aí, como ficaram os Teru teru Bozu?”

A resposta dela veio rapidamente: “Eles ainda estão aqui pendurados. Ocorre que nós tínhamos em nossos planos fazer uma churrascada e uma festa junina. E achamos que desta vez os Teru teru Bozu não podiam falhar. Então resolvemos fazer mais alguns para reforçar o time. E graças a eles, nas duas vezes fez tempo bom e foi um sucesso! Os Teru teru Bozu ainda têm credibilidade entre nós! A Vivi ainda não veio ver, mas queremos que ela saiba que nós nos esforçamos.

Que coisa maravilhosa, pensei. Uma tradição do Japão antigo que vem sendo transmitida através de três gerações de uma família, neste longínquo Brasil!

E através desta história, eu pude relembrar a importância das tradições culturais trazidas por nossos ancestrais.

Nesta oportunidade, quero agradecer aos meus amigos de infância – a querida família Takimoto. Porque se eu não tivesse encontrado os Teru teru Bozu que se molharam na chuva, eu não poderia escrever esta história. Arigato

Para finalizar, estamos em pleno inverno e aqui em São Paulo temos tido uma sucessão de dias chuvosos. Falando a verdade, não tenho saído para fazer minhas caminhadas. Daí concluí que, depois de “um longo e tenebroso inverno”, eu vou fazer Teru teru Bozu!

Teru teru Bozu    Teru bozu
Ashita  tenki ni  shite okure2

P.S.
Notícia de última hora dá conta de que a família Takimoto confeccionou um boneco maior ainda, um Teru teru Bozu gigante que foi apresentado numa comemoração familiar. Mas, infelizmente, ninguém teve a ideia de tirar uma foto, tão animada estava a churrascada.

 

Notas:

1. Teru teru Bozu são bonecos feitos de papel ou pano que, segundo a tradição popular, atendem pedidos para parar a chuva ou fazer tempo bom. 

2. Primeiros versos de uma antiga cantiga de roda que diz assim:
          Teru teru Bozu    Teru Bozu
          Faça que amanhã seja um dia ensolarado

 

© 2013 Laura Honda-Hasegawa

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Sobre esta série

Ser nikkei é intrinsecamente uma identidade com base em tradições e culturas mistas. Em muitas comunidades e famílias nikkeis em todo o mundo, não é raro usar tanto pauzinhos quanto garfos; misturar palavras japonesas com espanhol; ou comemorar a contagem regressiva do Reveillon ao modo ocidental, com champanhe, e o Oshogatsu da forma tradicional japonesa, com oozoni.

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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