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O Casamento

Outro dia participei da cerimônia de casamento do filho de um meu amigo. A recepção para cerca de 300 convidados que se seguiu ao ato religioso católico foi magnífico e de bom gosto.

O avô desse meu amigo e o meu pai, Suemitsu, falecido em 1995, tiveram no passado, uma profunda relação, e o meu pai devia-lhe muitos favores e constantemente recebia dele muitos conselhos para a vida. Isso, quando meu pai ainda solteiro e exercia a profissão de protético dentário na cidade de Santos. Eu soube disso através de um velho diário deixado por meu pai.

Nesse diário consta o seguinte trecho.

1942, 12 de Fevereiro. Hoje é meu aniversário de 28 anos. Pensei em comemorar mas, sozinho e atolado de trabalho, acabei deixando passar o dia enfurnado na oficina dentária.

Depois de quatro ou cinco dias em branco, fui visitar o Sr. Yoshihiro. Todos me receberam com muita alegria. O Sr Yoshihiro é uma pessoa de opiniões claras e de pensamento muito positivo. Naquele dia, depois de me explicar, por fim, o casal disse, “é o destino...” com certo ar de desalento. Quando a Mitsuko trouxe o chá, a senhora disse, “Mitchan, o Sr. Miyamura disse que vai casar.” A Mitsuko só disse, “Ah é?”- com um ar de quem acabava de ouvir uma surpresa. Sempre considerei a mãe dela como uma senhora muito sábia e bondosa.

Fiquei conversando com eles sobre a guerra até meia noite e meia. Pelo rádio ouvimos que o General de Divisão Yamashita entregou o termo de declaração ao oficial do exército inglês para que rendessem ao exército japonês.

O meu pai era um assíduo freqüentador da casa dos Yoshihiro. O casal pensava no futuro enlace da filha deles com o meu pai. O destino conduz nossa vida de forma alheia à nossa vontade. Justamente naquele tempo, meu pai tinha conhecido e estava enamorado de Toshiko, que viria a ser minha mãe.

Eu fiquei sabendo disso através das conversas que tive com a minha mãe, antes do seu falecimento em 2003. Eu e ela passamos momentos inesquecíveis lendo, juntos, o diário do meu pai e minha mãe me contou fatos do passado. Antes de conhecer o meu pai minha mãe pensava em outra pessoa, um amor platônico não correspondido. Caso esse detalhe estivesse deslocado um pouco no tempo, o meu destino também teria sido muito diferente.

E fico surpreso com o estranho sincronismo do acaso do destino, em eu estar presente na cerimônia daquele casamento, setenta anos após. Além disso, eu e o pai do noivo estivemos trabalhando juntos na mesma empresa!

A Mitsuko era tia desse meu amigo e havia falecido no começo daquele ano. Naquela cerimônia tive a oportunidade de conversar com vários parentes do meu amigo. Caso não fosse a minha leitura penosa do diário manuscrito por meu pai, tudo isso passaria em branco. Era como que não tivesse ocorrido.

Nos casamentos na comunidade Nikkei era comum ouvirmos do cerimonial e dos representantes das famílias uma breve apresentação do casal e da família deles. Acho essa prática muito eficaz. Mas, recentemente esses os casamentos estão abolindo essa parte do cerimonial. Acho uma pena. Há casamentos em que ficamos sem saber quase que nada de um dos noivos ou de uma das famílias dos nubentes.

Certa vez, há cerca de vinte anos, participei como convidado da cerimônia de casamento da filha do vice-presidente da empresa. Ela tinha vindo do Japão para se casar aqui em São Paulo com o noivo que estava estudando nos Estados Unidos. A cerimônia religiosa foi realizada numa igreja católica na Consolação. O padre celebrou a missa perante os noivos sob os acordes de lindas músicas. E é comum, nessas ocasiões, ao final da missa, os noivos abraçarem os pais, padrinhos e parentes postados em cada lado do altar.

Mas, naquele momento, quando a noiva, a filha do vice-presidente chegou à frente de seus pais fez uma reverência de respeito, curvando-se respeitosamente no estilo japonês, “ojiki”. Houve um momento de sublime grandeza, parecia ouvir sua voz dizer “muito obrigado por tudo que fizeram por mim até os dias de hoje”. Quem estava presente naquela missa pareceu tocado por um profundo instante mágico de silêncio.

Esta cena singular passa pela minha mente toda vez que penso em um casamento.

Nossa missa de casamento, rodeado por parentes e padrinhos.

© 2013 Hidemitsu Miyamura

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Sobre esta série

Publicou em 2005 um livro de crônicas em japonês, com o título de Kagirinaku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い), coletâneas de matérias publicadas na coluna “Dokusha no room”,  no jornal São Paulo Shimbun. No livro constam episódios extraídos de um diário do seu pai com a jornada da sua vida. Falecido em 1995 com 81 anos, seu pai veio ao Brasil como imigrante em 1934 com 19 anos. Nesta série serão apresentados alguns episódios extraídos do livro.

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About the Author

Hidemitsu Miyamura, nascido em 01/01/1944 em Paraguaçu Paulista. Estudou japonês na infância em Apucarana no norte do Estado do Paraná. É engenheiro mecânico formado na Universidade Federal do Paraná. Trabalhou na empresa NEC do Brasil por 34 anos, retirando-se em 2001. Casado com a médica Alice, é pai de Douglas Hidehiro e Érica Hiromi. É autor do livro Kagiri Naku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い) publicado em 2005. Escreve crônicas no São Paulo Shimbun.

Atualizado em janeiro de 2013

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