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Filme Antigo (1) - Uma transição política histórica

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Foi por acaso que o antigo filme veio parar em minhas mãos. Ele fazia parte do acervo do meu pai e estava sob guarda de um amigo dele, que nos repassou após o falecimento do meu pai. 

O momento retratado é o ano de 1952. Este filme contém imagens de um projeto desenvolvido pelo meu pai quando ele mudou-se para o Paraná e abandonou, em 1948, a profissão de protético e dentista prático, para dar início à colonização de terras junto com o Governo do Estado do Paraná. Este filme foi gerado no antigo formato de 35 mm, em celulóide de fácil combustão, motivo pelo qual foi entregue para guarda na Cinemateca Brasileira de São Paulo. 

Getúlio Vargas eleito Presidente da República em 1952

O filme continha cenas de divulgação da Colonização Serra dos Dourados, projeto que o meu pai dedicou a sua vida. E continha também, cenas em “vídeo-clip”, - cópia de um noticiário projetado nas salas de projeção da época, como a cerimônia de posse de Getúlio Vargas eleito como Presidente da República. 

Aparecem cenas em que o Governador Ademar de Barros de São Paulo desce de um helicóptero sendo recebido por algumas lideranças da comunidade japonesa. Crianças japonesas de quimono aprecem entregando flores às autoridades. 

Fui pesquisar por conta própria o significado dessas cenas. Consegui apurar que se tratava de episódio de um movimento capitaneado por parte da comunidade japonesa e encampado pelo Governo do Estado de São Paulo visando aplacar ressentimentos de pós-guerra entre os “vitoristas” e “derrotistas” no término da Guerra do Pacífico. 

Eram as primeiras eleições que haviam sido realizadas sob nova constituição promulgada durante o Governo Dutra que sucedeu a Ditadura Vargas (1930~45). Nessas eleições - em que ocorreram os primeiros votos femininos no país, - havia sido eleito Ademar de Barros para governador do Estado de São Paulo. Ele que havia sido interventor desse Estado durante a ditadura Vargas. Ademar fez campanha junto ao eleitorado da comunidade Nikkei prometendo que se eleito iria trabalhar para libertar os presos políticos lideres da Shindo Renmei (Súditos do Imperador), presos na Ilha Anchieta, situada entre Santos e Rio de Janeiro. 

Em 1946, após o término da guerra do Pacífico, 155 japoneses foram enviados para prisão naquela ilha, desses 81 foram condenados à expulsão do país. Porém este ato nunca foi cumprido e em 1948 a maioria deles tinha sido libertada. Por conta desses atos terroristas 23 pessoas, da ala derrotista perderam a vida e 147 tinham sido feridas.  Eleito para o governo do Estado (1947~51), Ademar cumpriu a promessa e conseguiu libertar os japoneses presos na ilha.

Membros da Shindorenmei (Súditos do Imperador) presos na Ilha Anchieta de 1946 a 1948

Nas eleições gerais que se seguiram, o mesmo Ademar de Barros (PSP) foi buscar lá no Rio Grande do Sul o ex-ditador Getúlio Vargas (PTB) que passara cinco anos de hibernação política. Carregou-o nas costas em uma vigorosa campanha nacional, elegendo-o Presidente contra a candidatura do Brigadeiro Eduardo Gomes da UDN, que contava com o apoio do partido da situação do Presidente Dutra e também dos Estados Unidos. 

Ademar conseguiu também a proeza de fazer seu sucessor, o desconhecido professor da Escola Politécnica da USP, Lucas Nogueira Garcês. 

Ele próprio, Ademar, tinha obtido a promessa de ser o próximo candidato do partido PSP, para concorrer à Presidência da República. Mas aconteceu que Vargas adotou uma política contrária aos Estados Unidos e não estava habituado a conviver conciliando interesses com o Congresso. Enfrentou a oposição daquele que foi um dos maiores oradores dos tempos modernos, o governador do Rio de Janeiro, Carlos Lacerda. Foi pressionado por Lacerda que sofrera um atentado na famosa Rua Toneleros no Rio de Janeiro. Com a comprovação do envolvimento do seu segurança nesse atentado, Getúlio Vargas não resistiu às evidências, suicidando-se em 24 de Agosto de 1954. 

Esse episódio foi um dos mais emblemáticos da história da república do nosso país. Eu tinha dez anos e lembro muito bem da comoção nacional que ocorreu no país, de norte a sul, após o episódio. O famoso testamento deixado por Vargas ficou como uma importante peça histórica.

Voltando ao antigo filme, foi nesse segundo governo Vargas que foi efetuado um grande esforço pela comunidade japonesa visando o retorno à normalidade depois do episódio dos extremistas da Shindo Renmei. Essa cena com o Presidente Vargas, Ademar de Barros e Lucas Nogueira Garcês em Campos do Jordão sendo homenageados pela Colônia Japonesa, numa Exposição de Produtos Agrícolas fazia parte desse esforço de retorno ao convívio amistoso entre “vitoristas“ e “derrotistas”. Para o retorno à normalidade, - após esse lamentável episódio inédito na história, - foi necessário o incansável empenho de várias autoridades e lideranças da comunidade. 

Vargas, Garcêz e Ademar, em ato de conciliação entre “vitoristas e derrotistas” da Colônia Japonesa, em Campos do Jordão em, 1952

Seguiram-se nessa linha, a fundação em 1954 da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, o Bunka e da Aliança Cultural Brasil Japão. E para as comemorações do Cinqüentenário da Imigração Japonesa em 1958, a comunidade unida, contou com a presença da Sua Alteza do Japão, o Príncipe Mikasa e esposa. Foi um alívio. As festividades transcorreram pacificamente atestando que o longo conflito finalmente havia sido superado. Um período de treze anos havia passado após o término da guerra. 

No ano seguinte esteve no Brasil o Primeiro Ministro Kishi Nobusuke, avô do atual Primeiro Ministro Abe, inaugurando os estaleiros da Ishikawajima Harima do Brasil no Rio de Janeiro. Seguiram-se vários investimentos japoneses, dentre eles a Usiminas em Minas Gerais. Dessa forma a comunidade Nikkei do Brasil passou a integrar e contribuir decididamente para o desenvolvimento do país.

Recordo que naqueles tempos retratados naquele antigo filme, independentemente dos meios e práticas políticas, tivemos no país grandes figuras da política nacional como, Vargas (ditador e maior líder político do país), Lacerda (o maior orador dos tempos modernos), Ademar de Barros, Luiz Carlos Prestes (líder comunista), Juscelino Kubistchek (fundador de Brasília) e Jânio Quadros.  Depois do golpe militar de 1964 ocorreu um grande desestímulo à vida política principalmente no meio acadêmico e deixaram de despontar figuras expoentes de expressão na política nacional. 

 

© 2013 Hidemitsu Miyamura

Brasil governos política
Sobre esta série

Publicou em 2005 um livro de crônicas em japonês, com o título de Kagirinaku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い), coletâneas de matérias publicadas na coluna “Dokusha no room”,  no jornal São Paulo Shimbun. No livro constam episódios extraídos de um diário do seu pai com a jornada da sua vida. Falecido em 1995 com 81 anos, seu pai veio ao Brasil como imigrante em 1934 com 19 anos. Nesta série serão apresentados alguns episódios extraídos do livro.

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About the Author

Hidemitsu Miyamura, nascido em 01/01/1944 em Paraguaçu Paulista. Estudou japonês na infância em Apucarana no norte do Estado do Paraná. É engenheiro mecânico formado na Universidade Federal do Paraná. Trabalhou na empresa NEC do Brasil por 34 anos, retirando-se em 2001. Casado com a médica Alice, é pai de Douglas Hidehiro e Érica Hiromi. É autor do livro Kagiri Naku Tookatta Deai (限りなく遠かった出会い) publicado em 2005. Escreve crônicas no São Paulo Shimbun.

Atualizado em janeiro de 2013

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