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Meus costumes gastronômicos no Brasil

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Na minha infância, achava que todas as famílias brasileiras tinham uma panela de arroz elétrica em casa. Não só isso, imaginava que era usual aos brasileiros, tomar misoshiru no frio e comer tamago-gohan quando não havia nenhuma guarnição. Você sabe o que é tamago-gohan? O tamago-gohan é uma mistura de ovo com arroz e seu modo de preparo é bem simples: basta bater um ovo cru com um pouco de molho de soja (shoyu) e jogar por cima do arroz japonês, de preferência quentinho, em uma tigela. Depois de misturar tudo, estará pronto o seu tamago-gohan! Pode parecer um pouco estranho, pois não temos o hábito de comer ovos crus devido à divulgação sobre os perigos da Salmonella. Antigamente, era mais comum apreciarmos o tamago-gohan. Que saudades da infância!

Quando minha mãe trazia chikuwa para casa, que é aquela massa de peixe em forma de tubo, ela fatiava e comíamos assim mesmo, assistindo televisão juntas. Para o almoço ou churrasco no clube, ela preparava caprichosamente os onigiris para nós. Nas celebrações de ano-novo, se não tivesse mochi, era como se algo estivesse faltando.  

Sinceramente, não me recordo bem em que época eu comecei a conscientizar-me de que havia algo culturalmente diferente entre a minha família e a dos meus colegas de escola, mas na década de 1990, em minha adolescência, lembro que meus colegas achavam esquisita a aparência do nosso gohan.  Eles não tinham muita vontade de experimentá-lo e o arroz japonês era apelidado como “unidos, venceremos” (um ditado popular que significa que a união faz a força; juntos, não haverá derrota. O arroz japonês é conhecido como “unidos, venceremos” porque é um pouco grudento, pegajoso). A época da adolescência foi uma fase de choques culturais.

O bairro onde moro é conhecido como uma das regiões de maior concentração de nikkeis na cidade de São Paulo. Nele, podemos facilmente encontrar à venda na feira livre (mercado a céu aberto de frutas, verduras e carnes), diversos alimentos do mundo gastronômico oriental: nira, imo, gobo, kabocha, nigagori (goya), horenso, chingensai (que na verdade, é a acelga chinesa), tofu,  nashi (pera). O fato de poder encontrar todos esses produtos perto de casa, já é um grande meio de amenizar as saudades do Japão.

É interessante parar para pensar em como se tornou tão apreciada a culinária japonesa no Brasil. Na cidade de São Paulo são mais de 250 restaurantes japoneses. Sem contar os restaurantes “por quilo”, nos quais é frequente encontrar sushi. Nesse tipo de restaurante, comum em São Paulo e em alguns outros estados, você monta o seu prato no buffet e paga o equivalente ao peso. É claro que ocorrem criações e adaptações ao paladar local. Por exemplo, há recheios doces de sushi, que eu não via no Japão – morango, banana, manga ou goiabada com cream cheese

Alguns ingredientes japoneses foram ganhando mais espaço e caindo no gosto dos brasileiros. É possível encontrar pizza de shimeji e shiitake. Na feira da Liberdade, em São Paulo, é uma das barracas mais procuradas, assim como as barracas de tempura e de takoyaki. Claro que não são tão gostosos como no Japão! É na Liberdade também que se concentram ótimos restaurantes japoneses escondidos. Um que merece ser mencionado é o Kidoairaku, uma casa antiga de esquina. Quem passa em frente, não acha que é um restaurante e quem arrisca entrar, depara-se com uma cama e uma televisão logo ao lado esquerdo. Ao lado direito, está o balcão. Dependendo do dia, horário e sorte, você pode ver uma senhora sentada na cama assistindo televisão e 2 crianças fazendo a lição de casa no balcão. Eu nunca vi esse tipo de cena no Japão, mas isso realmente me faz sentir como se estivesse lá!

This is a giant tempura, 2011.

Há pouco tempo, abriram filiais da rede Sukiya no Brasil. Atualmente, são 4 em São Paulo. O que eu achei mais estranho foi encontrar o prato “Curry com Feijão”, como tentativa de adaptar ao gostinho brasileiro. Que mistura esquisita, mas gosto não se discute!

Falando em gostos, o natto é bem polêmico nesse sentido. Há quem nem tenha coragem de experimentar, há quem ame. Eu só aprendi a apreciar o natto, estando no Japão pela segunda vez, como estudante. Até então, eu fazia parte do grupo de pessoas que não tem coragem de experimentar. Estando no Japão, mais disposta a conhecer novidades, lembro-me que quem me ensinou a escolher o natto na prateleira do supermercado e a maneira de prepará-lo, foi minha querida amiga Tiaki. Recordo-me como se fosse hoje, a primeira vez que comi natto. O mundo do natto abriu-se para mim. Comecei a comprar natto de várias marcas e arrisquei também o saboroso sorvete de natto, famoso na cidade de Mito, província de Ibaraki. 

Hoje, gosto de procurar receitas de culinária japonesa que sejam possíveis de fazer com os ingredientes que temos no Brasil. Eu e minha família adoramos preparar kare e fazemos sukiyaki em celebrações diversas. Também adoramos udon e tonkatsu! O nigirizushi e o onishime preparados por minha tia Maria são famosos nos eventos de família. Minha tia Margarete faz o harusame. Ah, como sou feliz e grata por ter a culinária japonesa em minha vida! Hmm, gochisousama!

My boyfriend and I prepared this Katsu Kare, one of our favorite dishes, 2012.

© 2012 Silvia Lumy Akioka

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Sobre esta série

Para muitos nikkeis em todo o mundo, a comida é frequentemente a mais forte e mais permanente conexão que eles mantêm com sua cultura. Com o passar das gerações, o idioma e as tradições são muitas vezes perdidos, mas os laços culinários são preservados.

Descubra Nikkei coletou narrativas de todas as partes do mundo relacionadas ao tópico da cultura culinária nikkei e seu impacto na identidade e nas comunidades nikkeis. A série apresenta essas narrativas.

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About the Author

Silvia Lumy Akioka é sansei brasileira. Foi dekasegui aos 17 anos e em outra ocasião, bolsista na província de Fukuoka, quando publicou a série “O ano de uma brasileira no outro lado do mundo” - seu primeiro contato com este site. É admiradora da cultura japonesa e também gosta de escrever sobre outros temas em blogs. Esteve em Los Angeles como voluntária em 2012 e há 6 anos, é consultora oficial do Descubra Nikkei.

Atualizado em fevereiro de 2019

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