Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2011/6/2/nikkei-latino/

Carlos Kasuga, um exemplo de líder nikkei nas Américas

Qualquer dirigente nikkei no continente americano conhece em pessoa ou ouviu falar do Sr. Carlos Kasuga, seja devido ao seu sucesso como empresário no México ou às suas atividades institucionais na Associação Panamericana Nikkei. Ainda assim, não são muitos aqueles que conhecem a história da imigração japonesa para o México. De acordo com a Enciclopédia dos Nikkeis do Continente Americano1, tudo começou com Enomoto e sua expedição de colonização a Chiapas em 1897. Enomoto é uma figura interessante, pois havia sido ministro das Relações Exteriores durante o governo Meiji, apesar de anteriormente haver lutado contra as forças da restauração. Ele foi um dos comandantes dos Tokugawa no forte Goryokaku em Hakodate, na ilha de Hokkaido.

O plano de Enomoto no México fracassou, mas alguns milhares de japoneses chegaram ao país e trabalharam na construção de estradas de ferro e nas minas de carvão, apesar de que as terríveis condições de trabalho fizeram com que muitos re-emigrassem para os Estados Unidos2. Durante a Revolução de 1910, os japoneses foram vítimas de roubos e atentados violentos de ambos os lados; mais tarde, quando estourou a Segunda Guerra Mundial, foram obrigados a se mudar para a capital onde se estabeleceram numa área específica sob a vigilância das autoridades. Alguns dirigentes da comunidade nipônica foram presos. No pós-guerra, os membros da segunda geração reconstruíram suas associações, escolas e centros recreacionais, pois a mudança para um centro urbano os havia permitido se dedicar com maior afinco ao comércio, a profissões independentes e ao ingresso no setor de serviços—uma característica que os distingue dos imigrantes japoneses no Peru ou no Brasil, os quais tiveram seu início na agricultura.

Carlos Kasuga, na conferência na Universidade de Nanzan, 23/10/2010

Apesar de terem passado por crises no lado institucional, eles conseguiram formar uma Associação Mexicana-Japonesa e logo construíram a famosa escola bilíngue Liceu Mexicano Japonês. Devido ao pequeno número de integrantes desta colônia, e às mesmas adversidades e circunstâncias históricas, eles puderam superar suas diferenças para assim desenvolver instituições mais integradas à sociedade local. Ainda vale mencionar que os contatos de Kasuga com os setores empresariais e políticos japoneses também facilitaram muitas destas obras3. Hoje, esta comunidade nikkei é formada por 17.000 pessoas, e o Sr. Carlos Kasuga continua a ser um membro importante.

Em outubro de 2010, Carlos Kasuga foi convidado pelo Grupo de Estudo “Soft Power e Construção de Paz” da Universidade de Nanzan de Nagóia. O grupo era liderado pela professora Schie Asaka, que desde jovem havia estudado no México e atualmente continua a investigar o papel internacional dos nikkeis. Kasuga participou de uma conferência chamada “As duas pátrias de um nikkei4.

Kasuga nasceu em um pequeno povoado localizado a 600 kms ao noroeste da capital mexicana. Como muitas famílias japonesas, durante a Segunda Guerra Mundial ele foi obrigado a se mudar para os subúrbios da Cidade do México—o que ele agradece bem humoradamente, pois esta nova situação lhe proporcionou a chance de cursar o ensino superior. Ele diz que para ser respeitado como pessoa, empresário e dirigente de uma instituição nikkei é necessário ser “60% mexicano e 60% japonês”, pois esses 120% lhe permitem abrir caminhos mesmo nas situações mais difíceis da vida. Ele insiste que um nipo-mexicano da segunda geração deve fazer esforços e sacrifícios para superar o preconceito e a ignorância.

Através de sua longa experiência, ele recorda que foi o “primeiro dekassegui” do pós-guerra; com uma bolsa de estudos, ele chegou ao Japão em 1956 para cursar a Universidade de Sophia. No entanto, um acontecimento fortuito numa feira de equipamentos industriais o tornou em “trabalhador” de uma fábrica onde aprendeu a consertá-las. Nessa época, os serviços de atendimento deste gênero eram muito limitados5. Sua atitude empreendedora com respeito a inovações e coisas diferentes fizeram com que mais tarde ele se tornasse o representante exclusivo da companhia de laticínios japonesa Yakult, ajudando na construção de uma das plantas mais importantes em toda a América Latina6.

Estudante de intercâmbio do Liceu Mexicano que cursa a Universidade de Nanzan

Como parte de sua filosofia de trabalho e de vida, ele acredita que em nenhuma sociedade pode haver desenvolvimento e amor ao trabalho quando os executivos chegam em seus carros—alguns com chofer—na hora que querem, mas ainda assim punem e demitem operários por chegarem apenas alguns minutos atrasados depois de terem que trocar de ônibus e viajar em condições precárias. Se você deseja obter coesão corporativa e alcançar um nível elevado de competitividade e produtividade, o exemplo deve vir de cima, ele ressalta.

Um tema que ele encara com indignação é a conduta desleixada e manhosa encontrada com frequência em sociedades latinas, em parte devido a essa desigualdade no trato e na distribuição de recursos. Quando alguém necessita pedir algo—seja dinheiro ou algum favor da família, empresa, sociedade, como também do Estado—o lógico é antes de tudo fazer um esforço para demonstrar esta necessidade. Só que na América Latina é normal pedir algo de maneira descarada, sem que seja feito o menor esforço ou após fazer um esforço insuficiente7. Esta advertência também é válida para os dirigentes nikkeis do exterior, como aqueles do Japão, os quais às vezes sem fazer o esforço necessário solicitam auxílio ou programas de assistência para objetivos não muito precisos.

Na 15ª COPANI, Uruguai-Montevidéu. Com os dirigentes e conselheiros (18/09/2009)

Nos anos 80, com o intuito de fortalecer as relações e o conhecimento entre os dirigentes nikkeis dos países latino-americanos, e entre estes e aqueles dos Estados Unidos e Canadá, Kasuga e outros líderes criaram a Associação Panamericana Nikkei. Em 1981, foi realizada a Primeira Convenção Panamericana Nikkei—a COPANI, cujo lema era “Que nos tornemos melhores cidadãos” para que os descendentes de japoneses, pela sua dedicação, esforços e honestidade, se destaquem em suas sociedades e atividades8. A COPANI resultou em um importante intercâmbio entre dirigentes; algumas relações levaram a contratos de negócios, fóruns interdisciplinários, como também casamentos entre pessoas de nacionalidades diferentes.

Apesar do alto custo necessário para a participação nesta Convenção—passagens, hospedagem e inscrição—cada país anfitrião procura mobilizar os jovens para que se conscientizem da projeção que podem vir a ter e das possibilidades que podem vir a criar9. Neste mundo complexo e diverso, a COPANI pode prosseguir com seu papel institucional enquanto for possível debater as inquietudes existentes e compartilhar experiências entre os países e regiões participantes.

Kasuga demonstrou uma convicção ferrenha sobre a importância de manter uma identidade nikkei com base na história e tradições do Japão: o respeito aos mais velhos e aos antepassados, a dedicação aos estudos como o caminho rumo ao progresso e o reconhecimento social. Ele não poupa esforços nem recursos pessoais ao promover uma maior conscientização sobre o papel da educação tanto em seu próprio país quanto nos outros. Além disso, ele acredita que grandes empreendimentos são necessários para a geração de empregos, e que relações de trabalho saudáveis e construtivas oferecem um maior bem-estar econômico, aliviando as desigualdades sociais.

Ele é admirado por jovens e aqueles não tão jovens e nesta palestra na Universidade de Nanzan conseguiu novos fãs japoneses que certamente continuarão a seguí-lo. Sem se dar conta, ele se transformou em um “softpower” internacional que vem contribuindo às boas relações bilaterais de seu país com o Japão e com os outros países do continente americano10.

Na 51ª Convenção dos Japoneses e Nikkeis do Exterior, 20/10/2010. Com os estudantes nikkeis com bolsas de estudo, os quais representam o futuro

Notas:

1. Akemi Yano, America Tairiku no Nikkeijin, Akashi Shoten, 2002, pg. 278-308.
2. Diz-se que mais de 10.000 japoneses imigraram para o México, mas muitos deles cruzaram a fronteira americana. Em 1907, foi proibida esta reemigração.
3. http://www.kaikan.com.mx/ Nichiboku Kyokai-Asociación México Japonesa
http://www.liceomexicanojapones.edu.mx/LMJ/
http://www.liceomexicanojapones.edu.mx/LMJ/index.php?q=ja/学院のあゆみ
4. Quem escreve também pertence a este Grupo de Estudo. Os experts e embaixadores são convidados cujas palestras e debates são transcritas para um livro a ser publicado em 2012.
http://www.ic.nanzan-u.ac.jp/LATIN/workshop/20101023.html  
5. Comprou uma máquina de inflar globos, o que o permitiu fazer voar os anéis olímpicos com um diâmetro de 50 metros cada um durante as Olimpíadas do México de 1968.
6. http://www.yakult.com.mx/     Site da Yakult México
7. Kasuga usa a palavra “onedari” que na realidade significa ped
ir sem muito fundamento e de forma descarada, se aproveitando de alguma diferença, desigualdade ou compromisso—sem a intenção de cumprí-lo—para o seu próprio proveito.
8. http://www.apnonline.net/ Associação Panamericana Nikkei
http://www.apnonline.net/copanis/copanis.html COPANI
A cada dois anos é realizada esta Convenção “continental”. Em 2011, ela terá lugar em Cancún, no México, entre os dias 1º e 3 de setembro. http://copani.hana.bi/.
9. Em cada COPANI também é realizada uma reunião de jovens, os quais hoje em dia, através da rede social Facebook, não apenas compartilham informações mas também organizam eventos e convidam colegas de outras nações.
10. No boletim CENTRAL NIKKEI Nº 211, edição de março de 2009 do Centro Nikkei Argentino, está publicada boa parte de sua conferência de fevereiro de 2009.

© 2011 Alberto J. Matsumoto

Carlos Kasuga Osaka Liceo Méxicano-Japonés, AC (organização) México
Sobre esta série

O professor Alberto Matsumoto discute as distintas facetas dos nikkeis no Japão, desde a política migratória com respeito ao ingresso no mercado de trabalho até sua assimilação ao idioma e aos costumes japoneses através da educação primária e superior. Ele analiza a experiência interna do nikkei latino com relação ao seu país de origem, sua identidade e sua convivência cultural nos âmbitos pessoal e social no contexto altamente mutável da globalização.

Mais informações
About the Author

Nissei nipo-argentino. Em 1990, ele veio para o Japão como estudante internacional financiado pelo governo. Ele recebeu o título de Mestre em Direito pela Universidade Nacional de Yokohama. Em 1997, fundou uma empresa de tradução especializada em relações públicas e trabalhos jurídicos. Ele foi intérprete judicial em tribunais distritais e de família em Yokohama e Tóquio. Ele também trabalha como intérprete de transmissão na NHK. Ele ensina a história dos imigrantes japoneses e o sistema educacional no Japão para estagiários Nikkei na JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão). Ele também ensina espanhol na Universidade de Shizuoka e economia social e direito na América Latina no Departamento de Direito da Universidade Dokkyo. Ele dá palestras sobre multiculturalismo para assessores estrangeiros. Publicou livros em espanhol sobre os temas imposto de renda e status de residente. Em japonês, publicou “54 capítulos para aprender sobre o argentino” (Akashi Shoten), “Aprenda a falar espanhol em 30 dias” (Natsumesha) e outros. http://www.ideamatsu.com

Atualizado em junho de 2013

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações