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YAMA: Uma Comunidade Nikkei no Brasil - Parte 2

Leia a Parte 1 >>

Em Yama, onde a arte, o cultivo da terra e preces diárias se fundem, o conceito de trabalho pode significar qualquer coisa. As pessoas cultivam frutas e verduras, criam aves e gado leiteiro, plantam cogumelos shiitake, torram café, produzem manteiga e queijo, e fermentam soja para fazer miso e molho de soja. Um calendário semanal enfoca a prática de balé adulto e infantil, corais, aulas de japonês, e artes plásticas para os mais jovens.

Trilhas já desgastadas partem em todas as direções na fazenda e pode-se ir onde desejar: pomares, o jardim de verduras, o celeiro das vacas leiteiras, a oficina de embalagem, o velho abrigo dos bichos-da-seda onde agora brotam os cogumelos, o casebre de ferramentas, o anfiteatro, os galinheiros, os chiqueiros, os tanques de lavar roupa e a área ao lado onde a roupa é pendurada para secar em varais de arame farpado, a biblioteca, a edícula, o jardim das esculturas, a quadra de tênis, a piscina, o ateliê, o estúdio de balé, a oficina de instrumentos de corda, a fornalha de queimar madeira. Não importa que trilha seguir, todas acabam dando de volta na cozinha.

O salão comunal de jantar parece mais com um abrigo para piqueniques. O vento e a chuva entram pela estrutura aberta, passando por bancos e mesas de madeira já desgastados. A comida é servida em estilo bufê e o pessoal da cozinha usa um chifre de animal como corneta para indicar que é a hora da refeição. O coração da vida em Yama é a cozinha. Toda sua vida parte daqui. Alguns membros da comunidade, especialmente os mais jovens, passam mais tempo aqui do que nas próprias casas. A cozinha é o lugar para: receber convidados, assistir beisebol na televisão, dobrar a roupa limpa, cortar o cabelo, cuidar do bebê, praticar piano, fazer uma ligação telefônica no único telefone, apresentar o trabalho artístico das crianças, colocar no quadro de avisos cartas e fotos enviadas por amigos do exterior, falar sobre o tempo. Algumas noites, as mesas são movidas para o lado para que o coral possa praticar, ou são rearrumadas em um quadrado para uma leitura em grupo realizada por aqueles com papéis na encenação natalina anual. A cozinha também é um lugar para se observar expressões e notar ausências.

No princípio, os imigrantes japoneses preservaram suas recordações de sua terra natal ao manter as práticas e os costumes japoneses. O calendário de Yama inclui tanto os festivais japoneses quanto os brasileiros. As duas culturas determinam as seleções no cardápio, e mangas e goiabas são servidas ao lado de tofu e picles de ameixa.

O ritmo anual reflete o modo de vida japonês: bater o mochi ou massa de arroz para o Ano Novo, banhos noturnos na sala de banho comunal, bandeirolas em forma de carpa no Dia dos Meninos, pedidos à Via Láctea na época do Festival das Estrelas, picles e secagem de verduras japonesas, enrolar sushi para festivais, escrever o haiku.

Os laços da comunidade com o Japão são inegavelmente fortes. Parentes e amigos cruzam o globo para visitar a fazenda. Vídeos, livros e artigos de roupa enviados do Japão são recebidos entusiasmadamente; no entanto, laços calorosos com o país que no passado era considerado sua pátria foram transformados em laços contratuais de recrutamento e oportunidades. Os problemas econômicos do Brasil criaram uma migração em reverso de nipo-brasileiros da terceira e quarta gerações que partiram em busca de emprego no mercado de trabalho para imigrantes no Japão. Ao aceitar trabalhos “três-K”—aqueles que ninguém no Japão quer fazer—eles podem ganhar mais do que em muitos empregos profissionais no Brasil. Estes são os trabalhos conhecidos como kiken, kitsui, kitanai—perigosos, difíceis e sujos.

Mochi de Ano Novo (Foto por Scott Smith)

Para aqueles de fora, a fazenda é conhecida como a Comunidade Yuba. Para numerosos viajantes japoneses que chegam na América do Sul, o local se transformou numa Meca. A fazenda possui uma regra simples de hospitalidade: seja o visitante um peregrino, sonhador ou um viajante sem destino, ele pode ficar o tempo que desejar. Em troca de hospedagem e refeições, pede-se aos visitantes que ajudem em diversas tarefas, as quais vão desde a colheita de frutas até a ajuda na cozinha e na manutenção das construções. Gente de todo o mundo visita Yuba. Viajantes cansados se dirigem até a fazenda, seja como um destino já planejado ou por ter ouvido falar do local através de um outro nômade. Alguns ficam alguns dias antes de continuarem sua jornada. Outros ficam por meses, e também há aqueles que acabam se casando com membros da comunidade e aceitando seus ideais.

Através dos anos, visitantes japoneses e até mesmo um famoso autor escreveram sobre a Comunidade Yuba. Em diários, cartas enviadas para casa e em artigos de revista, aqueles vindos de fora sentiram um forte impulso para registrar suas impressões. Não existe quase nada em inglês, a não ser um poema, a “Canção da Felicidade”, escrita em 1998 por um viajante japonês. Uma tradução básica para o inglês foi reescrita abaixo. [Nota do Tradutor: O texto abaixo foi traduzido para o português.] Esta narrativa agora faz parte integral do repertório teatral de Yuba. O “Eu” no poema é a instrutora de balé e principal coreógrafa da fazenda, Akiko Ohara. Convidada por Isamu Yuba para se mudar para a fazenda com seu marido escultor em 1961, Akiko fez de Yama o seu lar nos últimos quarenta anos. Sasamori escreveu este poema para descrever seu encantamento e satisfação. A comovente recitação de Akiko deste poema em japonês abre um número musical que apresenta a antiga história da comunidade através da música e da dança.

Lição de Balé (Foto por Scott Smith)

Canção da Alegria   
                                                                           por Tetsuyuki Sasamori

     O Brasil é um país 23 vezes maior do que o Japão.
     Um milhão e quatrocentos mil japoneses e seus decendentes vivem aqui.
     E 1998 é o 90º aniversário da imigração japonesa.
     Isamu Yuba, ele chegou do Japão em 1926 em busca de um mundo livre.
Ele tinha apenas 19 anos quando jurou que nesta terra ele iria criar uma nova cultura.
     Ele levantou seu machado para derrubar a mata virgem.
     Em seguida, outros conterrâneos se uniram a ele
          -para formar um laço com a terra,
          -para rezar e encontrar paz
          -para se dedicar à arte.
     Graças ao espírito unido destes jovens idealistas, nasceu a fazenda Yuba. À medida que o tempo foi passando, o grupo cresceu até chegar a aproximadamente duzentas pessoas.
     Eu deixei o Japão há 39 anos. Eu vim junto com o escultor Hisao Ohara morar na fazenda Yuba. No caminho, 600 kms ao noroeste da cidade de São Paulo, eu fiquei pasma com o extensão do horizonte que se perdia de vista em todas as direções. E a estrada parecia cruzar os céus até que finalmente um caminho de terra vermelha nos levou à fazenda Yuba.
     Rostos morenos, enrugados pelo sol. Mãos calejadas. Cabelos grisalhos—barbas brancas!!
Eu vi gente com grandes sorrisos que revelavam bocas sem dentes:
Rostos bondosos, olhares aguçados...
     As crianças que encontrei pareciam ter saído do solo.
Elas brincavam felizes, se sujando todas na lama.
Eu também me surpreendi de ver meninas trabalhando sob o sol escaldante, arando a terra, colhendo arroz, falando e cantando em voz alta.
     À noite, quando aquele sol enorme desapareceu no horizonte, um céu imenso cheio de estrelas brilhantes surgiu.
     Eu me envolvi profundamente. Eu me senti como se estivesse viva de novo, compreendendo o valor da vida humana.
     Isamu Yuba, ele era um pioneiro de verdade e um homem criativo.
Na terra cultivada por nossos pais para que seus descendentes pudessem ter orgulho em viver e dar continuidade a este mesmo espírito pioneiro. Esta era a sua prece como um antigo pioneiro.
     Este homem já falecido descansa no coração desta terra deixando para trás seus desejos para todos nós:
          -viver do cultivo da terra
          -rezar
          -praticar as artes
Este ideal de Isamu Yuba é mantido vivo no solo deste país.
Jovens rapazes levantam vigorosamente seus machados sob o sol escaldante.
E as crianças brincam e se sujam alegremente nesta terra vermelha.

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© 2004 Janet Ikeda

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About the Author

Janet Ikeda é Professora Associada no Departamento de Idiomas e Literaturas do Leste Asiático na Universidade Washington e Lee em Lexington, na Virgínia. Ela ensina a literatura e o idioma japoneses, e também um curso sobre a arte japonesa da cerimônia do chá. Para maiores informações sobre a Salão de Chá na Universidade Washington e Lee, visite http://tearoom.wlu.edu.

Atualizado em abril de 2011

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