Descubra Nikkei

https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2011/4/29/yama-1/

YAMA: Uma Comunidade Nikkei no Brasil - Parte 1

Leia a introdução ao Projeto Yama >>

YAMA: Valorize o corriqueiro e cultive um espírito de gratidão

          誰の墓と 聞いて子供等 手を合わす

                   De quem é este túmulo?
         
          perguntam as crianças
          
         palmas juntas ao rezar      

- Katsue Yuba (n. 1947)

Com uma cópia de Emile de Rousseau e coleções das obras de Tolstoy empacotadas junto com recém-compradas ferramentas rurais, vasilhas de metal, e colchas e roupas de cama japonesas, em 1926 Isamu Yuba partiu da cidade japonesa de Kobe em busca de aventura. Mais tarde, ele iria recordar-se daquele dia quando se viu face a face com um cartaz diante de uma estação de trem com as palavras: “Siga rumo à América do Sul, a Terra da Liberdade”. Parecia que as palavras o estavam chamando. Elas serviram como resposta às suas perguntas persistentes como também refletiam o clima de beligerância da época. Havia poucas pessoas que tinham maior prazer em criar confusão do que Isamu Yuba.

A maioria dos emigrantes japoneses no início do século XX partiram com o sonho de fazer fortuna no exterior para depois retornarem triunfantes à sua cidade natal. Yuba, que nunca foi chegado a fazer planos sérios, deixou o Japão com a cabeça cheia de idéias. Ele teria negado se alguém o chamasse de intelectual, mas apesar disso Yuba dava crédito a Rousseau e Tolstoy pela origem dos seus ideais. É óbvio que Isamu Yuba não era um imigrante típico. Ele gostava da idéia de fazer fortuna, mas acabaria formando à sua volta um grupo de seguidores fiéis que seriam desafiados pelas suas crenças radicais e balançados pela sua natureza explosiva e imprevisível. As pessoas viriam a dizer que ele exigia uma lealdade cega semelhante àquela dos samurais do período feudal ou dos gangsters yakuza japoneses dos dias de hoje.

O dinamismo de Yuba já era evidente na sua juventude. Mesmo aos dezenove anos, ele comandava a família no papel de filho mais velho. Ao persuadir não apenas os pais, mas também sua avó para acompanhá-lo, Yuba embarcou no Hawaii Maru, e prosseguiu às cegas rumo a fronteira desconhecida do Brasil. A ironia no nome do navio certamente não passou despercebida entre os passageiros. Em 1924, os Estados Unidos haviam fechado suas portas, deixando de aceitar imigrantes oriundos da Ásia. A emigração japonesa para os E.U.A., que havia iniciado em 1868, o primeiro ano do governo do Imperador Meiji, foi abruptamente encerrada e a atenção dos japoneses se desviou rumo ao sul, para as nações da América Latina.

Incluindo os seus sete irmãos, o mais jovem com apenas um ano de idade, Isamu Yuba chefiava um grupo de onze pessoas e começou a se preparar para seu  reestabelecimento em um novo país. Por não ter deixado um único membro da família no Japão, é difícil crer que Yuba planejava um dia retornar à sua terra natal. Os membros da família Yuba haviam por muito tempo mantido a posição de líderes em áreas da cidadezinha de Najio, situada nas cercanias da agitada cidade de Kobe. Mas eles não deixaram nenhuma grande fortuna. Além disso, o prestígio modesto de sua liderança em um vilarejo japonês deixaria de ser um direito de nascença na nova terra. Ainda assim, Yuba havia nascido para liderar. O fato dele não saber praticamente nada sobre como trabalhar no campo não foi um obstáculo para que ele tornasse a Fazenda Yuba uma das maiores fazendas de aves domésticas no Brasil nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial.

A história de Yuba é tão fascinante quanto frustrante porque não é a história de um imigrante que batalha com estoicismo e perseverança. Pelo contrário, é um conto de total falta de precaução e senso aventureiro irrealista. No começo, quando havia escassez de comida, Yuba comprou uniformes de beisebol e um piano. Em um raio de quilômetros à sua volta, Yuba possuía a única câmera—alemã—que ele usava para registrar a vida na fazenda. Com um projetor de cinema e uma tela simples feita com sacas de grão para galinhas, ele trouxe o melhor do cinema japonês para esta área remota do Brasil. Ele encorajava a dança, o canto e a pintura. Enquanto os outros cultivavam a terra para seu sustento, Yuba tão intentamente cultivava as pessoas para viverem da terra. No papel de pioneiro e aventureiro agrícola, Yuba era um cultivador do espírito humano. Outros o chamavam de louco e irrealista. Yuba, por sua vez, estava determinado em mostrar aos outros imigrantes que faltava uma meta visionária na sua preocupação única em acumular riquezas naquela terra estrangeira. Sem respeito à terra e sem um foco espiritual e artístico, os imigrantes não deixariam nenhum valor cultural aos seus filhos. Nas palavras de Yuba: “o seu trabalho não teria significado a não ser que eles conseguissem reescrever a história da América do Sul”.

Teatro Yuba (Foto por Scott Smith)

Numa parte rural do estado de São Paulo, a 600 quilômetros ao noroeste da capital, o legado de Isamu Yuba continua até os dias de hoje numa comunidade artística única conhecida no Brasil como a Comunidade Yuba. Uma simples tabuleta de madeira com o nome Yuba serve como sinalização indicando a saída da rodovia de esfalto para uma estrada de barro vermelho. O caminho passa por campos de plantação de goiaba, uma oficina de embalagem, velhos tratores de fazenda, uma quadra de tênis e uma piscina. Ao passar diante de um simples anfiteatro conhecido como o Teatro Yuba, chega-se ao coração de Yuba—a cozinha, ou um salão de refeições semi-ao ar livre. A filosofia de vida de Isamu Yuba com respeito à comunidade permanece com tenacidade até hoje: trabalhar duro, valorizar o corriqueiro, vivenciar diariamente as artes.

No período inicial da época pioneira, as pessoas que se congregavam para seguir os ideais de Yuba começaram a se referir ao seu lar como “Yama”. Hoje, aqueles nascidos na comunidade usam esta palavra para definir um modo de vida extraordinariamente comum. A palavra yama em japonês quer dizer “montanhas”. Mas, como pode ser observado quando se dirige por essa região plana sem fim, interrompida cá e lá apenas por alguns morrinhos com gado pastando, existem poucas montanhas nesta parte do Brasil. O nome da comunidade tem como origem um uso metafórico da palavra. Para os fazendeiros no Japão montanhoso, “ir para as montanhas” queria dizer “ir trabalhar”. Ao passo que os imigrantes foram derrubando a mata virgem brasileira, eles passaram a utilizar essa mesma expressão. Como o cultivo da terra é o que sustenta a Comunidade Yuba, aqueles nascidos lá acabaram usando o termo para definir a sua existência.

Parte 2 >>

Colheita de Goiaba e Manga (Foto por Scott Smith)

 

© 2004 Janet Ikeda

agricultura artes Brasil cultivo haiku literatura fotografia poesia São Paulo (São Paulo) Scott Smith Projeto Yama Comunidade Yuba Fazenda Yuba
About the Author

Janet Ikeda é Professora Associada no Departamento de Idiomas e Literaturas do Leste Asiático na Universidade Washington e Lee em Lexington, na Virgínia. Ela ensina a literatura e o idioma japoneses, e também um curso sobre a arte japonesa da cerimônia do chá. Para maiores informações sobre a Salão de Chá na Universidade Washington e Lee, visite http://tearoom.wlu.edu.

Atualizado em abril de 2011

Explore more stories! Learn more about Nikkei around the world by searching our vast archive. Explore the Journal
Estamos procurando histórias como a sua! Envie o seu artigo, ensaio, narrativa, ou poema para que sejam adicionados ao nosso arquivo contendo histórias nikkeis de todo o mundo. Mais informações
Novo Design do Site Venha dar uma olhada nas novas e empolgantes mudanças no Descubra Nikkei. Veja o que há de novo e o que estará disponível em breve! Mais informações