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Capítulo 12: Sobre o sotaque do japonês

Quando eu era estudante, ouvi muitas vezes frases como: “Os japoneses não são bons em português”.

Quer dizer, não sabem redigir, não se expressam bem, as palavras soam estranho, enfim, que o português mais parece japonês.

Por coisas assim, havia alunos que desistiam de estudar.

Nessa época era comum ser atendido nas lojas por vendedores imitando o modo de falar do japonês.

Mesmo na faculdade, eu percebia essa visão tendenciosa em pequenas atitudes por parte dos professores. Certa vez, uma aluna nikkei prestes a terminar o curso de alemão desabafou com os olhos lacrimejando:

“Por mais que estude, não dá. A professora diz que minha pronúncia tem sotaque de japonês, mas eu nem sei japonês...”

Havia também um professor de linguística que, ao fazer uma pergunta difícil, escolhia alunos de nome japonês para dar a resposta.

Parece-me que os descendentes em geral acham que isso é assim mesmo. Mas eu nunca me conformei. Como uma pessoa nascida e criada no Brasil não pode dominar a língua de seu país?

Eu estava cursando o ginásio, quando decidi começar um “treinamento”. Voltava da escola e logo pegava o livro didático e começava a ler em voz alta. Podia ser um texto de História, um poema, tudo era válido. Recortava notícias de jornal e lia como se fosse locutora de rádio, tanto que de exercício passou a ser um hobby.

O tempo foi passando, tornei-me professora de língua portuguesa e realizei meu sonho de estrear como romancista.

Vinte anos atrás, uma nikkei ser escritora da literatura brasileira era algo incomum. Pouco antes da noite de autógrafos, um jornal quis me entrevistar. Por falta de tempo, a conversa foi por telefone. Em certo momento, a jornalista comentou com surpresa: “O seu português é bem ritmado, é o português de São Paulo que recebeu influência dos imigrantes italianos”.

Mais recentemente, em visita a uma faculdade no interior do estado, fui apresentada ao professor do departamento de italiano. Ao ouvir meu cumprimento, esse professor falou: “Você deve ser de São Paulo. É o modo de falar típico de São Paulo”.

Até que enfim! Demorou, mas o meu esforço do passado deve ter dado resultado. 

© 2011 Laura Honda-Hasegawa

Brasil identidade línguas
Sobre esta série

Meus avós vieram do Japão há mais ou menos 100 anos. Eu nasci no Brasil. Por isso, quero servir de “ponte” entre o Brasil e o Japão. O Japão que está arraigado no meu coração é um tesouro que quero guardar para sempre.  E foi movida por esse sentimento profundo que escrevi a presente série.  (Bom dia em japonês é Ohayo)

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About the Author

Nasceu na Capital de São Paulo em 1947. Atuou na área da educação até 2009. Desde então, tem se dedicado exclusivamente à literatura, escrevendo ensaios, contos e romances, tudo sob o ponto de vista nikkei.

Passou a infância ouvindo as histórias infantis do Japão contadas por sua mãe. Na adolescência lia mensalmente a edição de Shojo Kurabu, revista juvenil para meninas importada do Japão. Assistiu a quase todos os filmes de Ozu, desenvolvendo, ao longo da vida, uma grande admiração pela cultura japonesa.

Atualizado em maio de 2023

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