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“Acima de tudo, eu sou americano, e também sou negro” -- Jero, cantor americano de Enka

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Hoje em dia, no universo tipicamente tradicional do enka japonês, não existe um novo artista mais popular do que Jero.

Cirtesia de Victor Entertainment, Inc.

Desde que escrevi um artigo (“Jero e Eu” ) há alguns meses, eu fiquei profundamente intrigado com esse cantor nikkei americano que se tornou conhecidíssimo no Japão após o lançamento do seu primeiro CD, “Covers” (2008), seguido por “Kakusoku” (“Promise”, 2009) e agora “Covers 2”. Eu queria saber o que estava por trás de todo o furor na mídia.

O Japão adora o gaijin que quer se integrar à comunidade. O que faz o Jero ser tão diferente é o fato dele querer alcançar o sucesso à sua maneira, mantendo o seu próprio estilo de se vestir e sua identidade pessoal. Depois de entrevistá-lo, eu senti um profundo respeito pela meta e determinação deste jovem que deseja realizar uma mudança positiva no ramo artístico da sua escolha. Sem dúvida, ele não poderia ter escolhido deixar sua marca em um nicho mais difícil ou mais obscuro no mundo da música japonesa.

Além do legendário Misora Hibari, ele inclui o sempai Hikawa Kiyoshi, 32, e Sakamoto Fuyumi, 42, entre suas maiores influências.

O percurso da sua carreira até agora lembra um boa canção enka . Ele foi muito influenciado pela sua avó japonesa, Takiko, que conheceu seu avô, um soldado afro-americano, em um baile durante a Segunda Guerra Mundial. Eles eventualmente se casaram, tiveram uma filha, Harumi, e depois se mudaram para Pittsburgh, onde Jero veio ao mundo com o nome de Jerome Charles White, Jr. em 1981. Ele cresceu escutando enka com Takiko e aprendeu japonês desde criança. Depois de se formar na Universidade de Pittsburgh em 2003, ele se mudou para o Japão, onde inicialmente ganhou a vida como professor de inglês e mais tarde como engenheiro de informática. Durante esse período, ele continuou tentando cumprir a promessa que havia feito à sua avó de que um dia ele se tornaria um cantor de enka e se apresentaria no show anual de fim de ano NHK TV Kohaku Uta Gassen. Ele acabou cumprindo as duas promessas, mas, infelizmente, apenas depois da morte de Takiko em 2005.

Eu conheci o Jero em um prédio comum no bairro de Ebisu em Tóquio. Era um desses prédios estreitos de três andares, esprimido entre outros do mesmo estilo. O jovem de 27 anos me recebeu de forma simpática, e me impressionou com a sua maturidade e maneira de se comportar.

Eu me encontrei com ele logo antes do lançamento do seu novo CD “Covers 2” e do single “Tsume Ato”, e no meio das preparações para a sua tournée que o levará, junto com seu pequeno grupo e quatro dançarinos de hip hop, a 35 casas de show por todo o Japão.

O que você acha da eleição de Barack Obama?

Eu acho que eu nunca vou esquecer o ano passado, com o primeiro presidente negro americano e o primeiro cantor negro de enka . Eu queria que o meu avô estivesse vivo para ver tudo isso. O Obama está fazendo um ótimo trabalho e eu o apoio 100 por cento.

Como você lidou com a publicidade de ser “o primeiro cantor americano de enka ”?

É meio triste lembrar que quando comecei eu era frequentemente chamado de “o primeiro cantor negro de enka ”, “o primeiro cantor americano de enka ”, ou “o primeiro cantor americano negro de enka ”. É o que está na superfície que eles veem primeiro. No início, eu questionei se o rótulo de “negro” era realmente necessário. Mas procurei ver o lado positivo. Não é como se eles estivessem mentindo. Eu sou tudo isso. Agora, eu deveria sentir alguma responsabilidade especial por causa disso? Não necessariamente. Eu sou diferente. Eles sempre comentam como eu falo bem japonês, como soo japonês, o que me agrada muito e acho bom; são elogios e eu me sinto agradecido. Eles também comentam sobre a maneira que me comporto. Eu não diria que isso é minha responsabilidade, mas é uma coisa que eles provavelmente vão prestar atenção. Por outro lado, eu não vou mudar minha maneira de ser para me conformar com os padrões que eles queiram impor em mim.

Acima de tudo, eu sou americano, e também sou negro. Como um indivíduo, eu expresso as minhas opiniões e digo como me sinto – toda a minha equipe sabe disso. Se eu não estiver satisfeito com alguma coisa, eu falo com eles. Eu detesto atrito, mas eu não vou ficar de boca fechada. Eu digo o que tem que ser dito e dou vazão à minha maneira de sentir.

O seu estilo de se vestir à maneira hip hop foi uma escolha calculada?

Quando eu fui descoberto depois de alguns concertos em Osaka, eles começaram a dizer que queriam fazer de mim um cantor. Com respeito a vestir quimono, isso não é para mim; não é uma coisa que tenha a ver com enka . A música define o gênero. Eu não acho que a maneira que você se veste vá definí-lo. O gênero vai evoluindo de modos diferentes. Existem hoje um montão de cantores de enka que vestem até jeans e camisa de gola; alguns usam ternos, outros não. No meu caso, se eu fosse vestir um quimono ou um terno, as pessoas não me levariam a sério.

Eu quero ser eu mesmo quando subo no palco. Esta é a minha maneira de me vestir todos os dias. É quem eu sou. Eu não sou um gangster. Este é o tipo de roupa que eu gosto de usar. Quando me cansar, eu troco. Eu tenho 27 anos e esse tipo de roupa me cai bem. Além disso, outras pessoas no Japão da minha idade tem alguém com quem eles podem se identificar. Espero que eles comecem a escutar enka e que passem a apreciá-la um pouco mais também.

Houve algum tipo de resistência a esse tipo de auto-expressão?

Eu não acho que foi resistência. Era um risco para eles, o que é perfeitamente compreensível. Eu não tive que implorar de joelhos. Eu apenas expressei minha opinião, eles pensaram a respeito e acabaram aceitando. Eu me sinto grato por isso também.

Você poderia ter feito esse tipo de escolha se fosse um cantor japonês?

Eu tenho mais liberdade por ser americano. Se eu fosse japonês e quisesse usar esses tipos de roupa, provavelmente eu não teria a chance. Como já disse, o fato de eu ser dos Estados Unidos trabalha ao meu favor.

Você se considera nikkei?

De uma certa forma, eu posso ser considerado nikkei, mas [o sangue japonês] representa apenas um quarto da minha descendência. Eu sou negro, claro. Eu não nego as minhas origens de maneira nenhuma, mas na superfície eu sou um homem negro. Eu diria que sou misturado.

Quando você descobriu que queria ser um cantor de enka ?

Quando era criança eu ficava pensando e sonhando com isso, mas nunca acreditei que seria possível porque eu morava nos Estados Unidos e ninguém conhecia esse tipo de música. Sempre que eu vinha pra cá como estudante de intercâmbio, eu sentia que havia a chance de um dia eu me mudar para cá, trabalhar aqui e ir atrás do meu sonho. Por isso, quando eu entrei para a universidade decidi que ia me mudar para cá. Enquanto trabalhava, eu fiquei tentando descobrir o que seria necessário para me tornar cantor.

Quando você estava crescendo, que outro tipo de música você escutava?

Quando eu cantava com confiança, era só enka simplesmente porque eu já cantava esse tipo de música já fazia muito tempo. Para mim, o campo das artes tinha que ser ou canto ou dança. Se eu não conseguisse trabalhar em um ou no outro, então teria que arrumar trabalho com computadores ou algo do gênero. A minha mãe e o meu pai escutavam R&B dos anos 80 e 90. O meu artista predileto era Luther Vandross. A minha avó estava sempre escutando Misora Hibari.

A importância da sua avó tem sido exagerada?

Ela é a única razão de eu estar aqui. Se não fosse pela sua influência, não teria como eu conhecer este tipo de música ou o Japão. O fato dela ter nascido e crescido aqui, ter conhecido o meu avô – minha mãe e eu, o ciclo todo começou com ela. Ela sempre quis que eu cantasse e me desse bem na escola. Ela era uma das minhas maiores fãs.

Como ela se sentiria se soubesse onde os seus sonhos te levaram?

Ela ficaria super feliz. Ela seria tão famosa quanto eu! Eu tenho certeza que ela estaria aqui me apoiando, e estaria se divertindo como nunca.

Quando vi o título “Yakusoku” – foi por causa dela?

O álbum é dedicado à minha avó porque foi lançado em fevereiro deste ano, e no ano passado todas as minhas promessas foram cumpridas com o lançamento do meu primeiro álbum. A canção “Hare butai” (Gala) foi composta para a minha mãe.

Você cresceu rodeado de coisas japonesas?

A minha mãe e avó faziam comida japonesa quase todos os dias. Para o café da manhã ela fazia arroz, peixo grelhado e natto . Ela fazia coisas como o kuri (picles de pepino), takikomi gohan – ou seja, eu cresci bem à vontade com a cultura. Eu nunca fui do tipo esportista. Eu ficava mais dentro de casa – jogos de TV, música, esse tipo de coisa.

Com que idade você começou a entender do que as canções se tratavam?

Com 5 ou 6 anos eu não tinha domínio suficiente do idioma para saber do que as canções se tratavam. Eu só comecei a pegar o significado das canções quando entrei para a universidade e comecei a aprender japonês mais rapidamente. A primeira vez que vim ao Japão foi quando eu tinha 15 anos, para tomar parte numa competição de discursos.

Como você explicaria a música enka para os americanos?

As letras são tão profundas e poéticas e ligadas ao Japão. É um tipo de blues japonês. É melodramática; vai direto para o coração. É triste e fala de como as pessoas se sentem. O blues faz a mesma coisa.

Você acha possível cantar enka em inglês?

Honestamente, não. Eu não acho que as letras poderiam ser traduzidas para o inglês simplesmente porque existem um certo número de sílabas numa frase, melodia, ou verso em japonês. É muito mais fácil obter um significado especial em japonês do que em inglês. Traduzir as palavras diretamente para o inglês seria possível, mas os significados ocultos do idioma japonês provavelmente seriam perdidos.

A comunidade enka já estabelecida te dá força?

Dá, sim. Eu conheci alguns que me disseram: “Obrigado por ter vindo ao Japão cantar a nossa música”. Isso me surpreendeu porque normalmente os mestres não dizem esse tipo de coisa para um kohai . Muitos deles foram bem legais. Foi algo muito especial para mim. Sempre que me encontro com eles, eles são bem humildes – e eu sou ainda mais humilde, é claro.

De uma certa forma, você se considera um inovador cultural?

Eu acho que em qualquer país existem muitos estereótipos com respeito a outras culturas e raças. Isso é o tipo da coisa que acontece. Então acho bom o fato de que mais gente pode ver que existem outros como eu e que não fomos todos feitos do mesmo molde.

Não tem muita gente jovem que gosta de escutar enka . Aqui, eles não querem ouvir o mesmo tipo de música que seus pais. Eu acho que isso é uma razão importante deles não escutarem enka hoje em dia. O fato de eu ter crescido nos Estados Unidos me permitiu apreciar algo diferente que me levou à carreira que tenho hoje.

A minha ascensão foi bem rápida. A maioria dos cantores de enka não alcançam muito sucesso no primeiro ano. Eu me sinto grato pelo que consegui. Eu não fico pensando muito no porquê. Eu não quero que isso se torne uma coisa que eu tenho que ficar pensando todos os dias. Quando subo no palco, só o que quero é ser eu mesmo sem me alterar para virar a pessoa que os outros querem que eu seja. Nunca houve um cantor americano de enka. O fato de eu ter crescido nos Estados Unidos e de ser diferente me ajudou. Os jovens podem então apreciar algo diferente e ficar dispostos a se tornarem meus fãs. Eu me sinto muito, muito grato por isso.

Como é a maioria dos seus fãs?

A maioria são mulheres entre quarenta e sessenta anos de idade; elas gostam da maneira que me comporto. Eu recebo muitas cartas de fãs.

Como você quer que a sua carreira continue?

Só o que eu quero é poder concentrar nas minhas canções e mais tarde passar para outras áreas do mundo da música e dar início a algum tipo de negócio. Agora, eu quero me concentrar na música e em fazer com que mais pessoas escutem enka . Eu espero fazer com que as pessoas mais velhas ou mais jovens saiam dos meus shows querendo trazer seus amigos no futuro. Esse é o tipo de relacionamento que quero manter com o meu público. A música pode unir as pessoas. Quando eu tive minha estreia, minha mãe voltou ao Japão. A música tem muitas qualidades que às vezes não são bem apreciadas.

Como a música uniu a sua família?

A minha mãe não vinha ao Japão fazia 20 anos. Os meus irmãos (Michael e Mark) e minha irmã, Yumiko, estavam aqui também. Foi a primeira vez que estivemos todos juntos no Japão. Isso era um dos nossos sonhos.

Até agora, quais foram as maiores surpresas na sua carreira?

O ano passado inteiro foi uma grande surpresa. Eu tinha ouvido histórias sobre cantores de enka que começam a cantar, mas só têm seu primeiro sucesso 10 anos depois. Ou seja, o meu primeiro ano não foi algo que acontece com muita frequência. Eu me sinto muito agradecido e vou continuar me sentindo humilde.

Qual é o valor de ser “humilde” no Japão?

Eu não acho que é só no Japão. Eu acho que desde que você seja humilde e aprecie o que tem, outras pessoas vão dar valor a isso; elas vão ter mais respeito por você. Se você não for humilde, as pessoas vão perceber isso, e não vão querer lidar com você. Eu estou satisfeito com o que tenho. Eu quero continuar a crescer como artista e como indivíduo. Um dia, eu quero ter uma casa. Eu quero que a minha mãe venha morar aqui. Eu quero realizar um concerto no Tokyo Dome ou no Budokan. Eventualmente, eu também quero compor canções.

Qual é o futuro da música enka ?

Levando em conta o ano passado, acho que mais pessoas têm maior interesse na música enka . E é importante manter esse interesse vivo. No Japão, as pessoas perdem o interesse rapidamente; elas estão sempre atrás de novos grupos e artistas. Alguns artistas se concentram nos seus fãs mais dedicados. Outros têm o seu próprio estilo. Eu quero expandir para que mais pessoas escutem e apreciem enka .

O furor da mídia à sua volta já acalmou?

Quando eu surgi em cena, foi uma coisa realmente muito forte. Durante todo o mês de fevereiro a mídia ficou em cima de mim; era tudo “Jero fez isso”, “Jero fez aquilo”. Foi algo bem estranho, mas para os japoneses foi algo muito importante. O fato de eu ter ganho prêmios no ano passado foi estimulante e me deixou estupefato porque [a atenção da mídia] não teve a ver só com as vendas de CDs. Foi resultado do impacto que tive na indústria da música – o que acabou se tornando uma experiência que me abriu os olhos, mas que principalmente me fez sentir privilegiado. Este país me recebeu com os braços bem abertos, e foi assim que me senti.

Qual é o seu maior sonho agora?

O meu sonho de virar cantor de enka foi realizado. Agora, é só poder cantar para as maiores multidões possíveis. Em alguns anos, eu quero estar fazendo estes grandes shows que a maioria dos cantores de enka não conseguem fazer. Nesta altura da minha carreira, eu não penso em cantar nos Estados Unidos ou outros países.

Você tem uma mensagem de despedida para os jovens nikkeis?

Eu gostaria de dizer duas coisas a eles: Não importa o quão inatingível ou impossível sejam o seus sonhos, é sempre bom ir atrás deles mesmo que seja só um pouquinho. Nunca desista; continue caminhando rumo a eles. Mesmo que você não consiga realizá-los, pelo menos você vai saber que trabalhou duro para conseguir o que queria. Isso é muito, muito importante.

A segunda coisa é para aqueles interessados em música japonesa: Dê uma chance à música enka . Passe um tempinho escutando, preste atenção nas letras, aprecie a música pelo que ela tem a oferecer e eu tenho certeza que você vai levar consigo alguma coisa de valor.

* Esta entrevista foi inicialmente publicada na edição de dezembro de 2009 do jornal Nikkei Voice, Toronto, Canadá.

© 2009 Norm Ibuki

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About the Author

O escritor Norm Masaji Ibuki mora em Oakville, na província de Ontário no Canadá. Ele vem escrevendo com assiduidade sobre a comunidade nikkei canadense desde o início dos anos 90. Ele escreveu uma série de artigos (1995-2004) para o jornal Nikkei Voice de Toronto, nos quais discutiu suas experiências de vida no Sendai, Japão. Atualmente, Norm trabalha como professor de ensino elementar e continua a escrever para diversas publicações.

Atualizado em dezembro de 2009

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