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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2008/12/3/multiplas-identidades/

Redes sociais e culturais entre o Brasil e Japão na migração de brasileiros

Introdução

Minha apresentação baseia-se em pesquisa de campo realizada pela autora, com o apoio da Fundação Japão (2002), junto à UNICAMP-FE, nos agrupamentos de migrantes brasileiros em diferentes cidades do Japão (Hamamatsu, Toyota, Oizumi, Ota,Toyohashi e Nagano) e no Brasil nas cidades de Londrina , Maringá e S.Paulo. Pretende mostrar, através das mudanças ocorridas em mais de 20 anos da migração, a formação e o papel das redes em função dos migrantes.

O início da vivência dos brasileiros no Japão caracterizou-se pela presença em algumas regiões do país, como Oizumi, Hamamatsu e Toyota, enfrentando problemas e condições de trabalho e vida cotidiana postos pela grande diferença social e cultural entre o Japão e o Brasil, com manifestações de desavenças entre migrantes e a população local. Para enfrentar estes desafios, os migrantes passaram, a construir seus próprios espaços de trabalho, vida cotidiana, educacional, de comunicação (mídia) e lazer, introduzindo influências culturais do Japão. Essas atividades formaram espaços próprios de brasileiros, que permitiram não apenas a diminuição de situações conflituosas com moradores japoneses, mas principalmente a possibilidade de os migrantes se expressarem de acordo com seu background cultural. Por outro lado, os núcleos brasileiros contribuíram para reforçar o distanciamento dos migrantes com os japoneses, que, de sua parte, já apresentavam comportamentos arredios aos migrantes, por discordância cultural ou medo do desconhecido.

1. Da condição similar (dekassegui) para a desigualdade social

No início da migração, os brasileiros eram empregados como operários em funçõe denominadas 5Ks: Kiken (perigoso), Kitanai (sujo), Kitsui (pesado), Kibishii (exigente) e Kirai (detestável), onde todos se consideravam em condições semelhantes de trabalho no Japão, mesmo com elevada qualificação escolar e profissional no país de origem. Os trabalhadores estrangeiros exerciam atividades rejeitadas por trabalhadores japoneses, em geral dotados de alta escolaridade e elevada qualificação profissional.

Atendendo a demanda do crescente mercado de migrantes latino-americanos no Japão, instalaram-se empreendimentos de brasileiros no país, em atividades comerciais, produtivas, escolares, técnicas, e de entretenimento. A expansão de empreendimentos brasileiros levou ao sucesso alguns empresários, que passaram a se distinguir dentre os migrantes no país, formando um grupo reduzido, mas com alto poder aquisitivo e empregador de trabalhadores brasileiros e japoneses. Por outro lado, as dificuldades de acesso a empregos, por uma série de razões, levaram considerável parcela de migrantes ao subemprego, desemprego e alguns à condição de sem-teto. Essa situação diferenciada e complexa expressa a profunda desigualdade social existente no Brasil dentro de um país (Japão) que expressa uma maior homogeneidade social e cultural da população.

2. Redes Formais Comercio, Educacão, de Comunicação e Lazer

A complexidade da vivência dos migrantes passa a comportar demandas específicas não atendidas pelo mercado japonês ___ como produtos típicos, culinária, vestuário, escolas, meios de comunicação em língua portuguesa, lazer, dentre outras de origem brasileira ___ exigem dos empreendedores brasileiros conexões com o mercado produtor de origem. Nesse sentido, as empresas brasileiras passam a estender suas atividades para o Brasil, instalando filiais complementares às atividades desenvolvidas no Japão. Indústria, comércio, educação, mídia e lazer mantêm fornecedores de produtos, equipamentos especiais , matéria-prima, etc.. Da mesma forma, matrizes de empresas no Brasil passam a estabelecer filiais no Japão, com vistas ao mercado constituído por migrantes, como turismo, imobiliárias, serviços de transporte, computação, bancos, mídia e escolas. Essa interação permite promover a contratação de profissionais especializados nas respectivas áreas, tais como jornalistas, educadores, técnicos e artistas. As redes formais possibilitam um dinamismo na mobilidade dos migrantes entre o Brasil e o Japão, trazendo e levando continuamente influências das novas formas culturais criadas pelos brasileiros, mediante a adoção de aspectos culturais locais em suas condutas, de um lado e, de outro promovendo um maior enraizamento dos migrantes no país de destino, pela solidificação de seus empreendimentos no Japão.

3. Redes Informais: Parentesco e Amizade

As relações familiares e de amizade entre os migrantes e os parentes que permaneceram no Brasil tornaram-se fortes vínculos desde o início do processo migratório. Essas relações constituíam-se em base de apoio para viabilizar o trabalho do migrante no Japão. A parcela da família, inclusive idosa, e amigos dos migrantes ficavam incumbidos de tarefas para gerir os bens, valores e principalmente para cuidar da educação dos filhos dos migrantes deixados no Brasil. Através dessas redes informais, outros brasileiros conseguiam empregos no Japão, bem como oportunidades de ficar um tempo sem trabalho em casas de parentes e amigos naquele país.

As mudanças nos estilos de vida de famílias migrantes no Japão, com a (des) construção e reconstrução familiar, cultural e da vida cotidiana passaram a influir na parcela residente no Brasil, reformulando ou revertendo valores tradicionalmente adotados para a organização e funcionamento da família. A tradição de o primogênito responsabilizar-se pelos pais idosos passou a se inverter, uma vez que ocorria o inverso na migração, isto é, os migrantes dependendo do apoio dos pais idoso para cuidar de seus filhos e outros compromissos deixados no Brasil. Algumas vezes, as redes familiares complementam redes formais, tornando-as mais eficientes nas relações entre os migrantes e brasileiros não-migrantes.

Perspectivas Atuais

As transformações ocorridas no processo migratório favoreceram tanto o movimento quanto a permanência de migrantes no país de destino e entre o Brasil e o Japão. As redes internas estabelecidas nos espaços brasileiros espalhados pelo Japão, bem como as redes entre ambos os países, vieram facilitar a movimentação dos migrantes em busca de novas oportunidades e pela necessidade das atividades em conexão. Ao mesmo tempo, as redes nacionais ou internacionais possibilitaram a opção por permanência no país de destino ou de origem, em decorrência de interesses locais estabelecidos, como negócios e laços familiares com o país , como filhos nascidos no Japão e interesses de mercado no país. Com a perspectiva de recessão internacionalizada, novos desafios demandarão novas estratégias neste final de década, não mais individuais como antes, mas de caráter coletivo, envolvendo instâncias governamentais de ambos os países.

* Lili Kawamura foi palestrante na mesa intitulada "A vida dinâmica dos migrantes entre Brasil e Japão—Perspectivas no Brasil" no Simpósio – 100 anos de Imigração Japonesa: As múltiplas identidades da Comunidade Nikkei realizado pelo Discover Nikkei em São Paulo no dia 20 de Setembro de 2008.

© 2008 Lili Kawamura

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Sobre esta série

Uma série de artigos de palestrantes do Simpósio Descubra Nikkei - "100 Anos de Imigração Japonesa: As Múltiplas Identidades da Comunidade Nikkei", em São Paulo, em 20 de setembro de 2008.

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About the Author

Doutora em Sociologia (USP), Livre-Docente em Educação (UNICAMP), Professora e Pesquisadora – Unicamp-FE (desde 1987); Professora Visitante do Programa de Mestrado da Universidade de Tsukuba-Japão (1997-2000); Professora Visitante da Universidade de Tenri-Japão(1994); Professora Colaboradora da Universidade de Estudos Estrangeiros de Quioto (1994) e Pesquisadora da Universidade de Nagoya (1993-1994). Publicou livros e artigos sobre Imigração de Brasileiros ao Japão, como “Para onde vão os Brasileiros?”, Ed. Unicamp, 2a.ed 2003 e Sociedade Japonesa e Imigrantes Brasileiros (em japonês), Ed.Akashi Shoten,Tokyo, 2000 e artigos em revistas do Brasil e do Japão.

Atualizado em 20 de setembro de 2008

 

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