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Capítulo 2 Rua Conde e arredores: o nascimento da Escola Primária Taishō - parte II

Antes da Segunda Guerra Mundial, eram numerosas as instituições de ensino controladas pelos imigrantes, a maioria financiada pelas associações de japoneses ou pelas associações de pais e mestres. Era natural que pelo menos uma escola fosse construída em cada agrupamento de japoneses. Neste artigo, gostaria de falar um pouco sobre a fundação do Grupo Escolar Taishō e sobre como viviam os imigrantes na rua Conde de Sarzedas (ilustrações 2, 3 e 4) à época.

Ilustrações 4: (Clique para aumentar)

O Grupo Escolar Taishō foi a primeira instituição de ensino japonesa no Brasil, estabelecida na rua Conde de Sarzedas. Muitas foram as razões que levaram os japoneses a se fixarem nessa rua, sendo uma delas a educação dos filhos. O livro Uma epopéia moderna (Epopéia, daqui em diante) registra a seguinte estratégia adotada pelos pais dos alunos:

“Uma vez constituído o núcleo, o mais importante era fundar uma associação japonesa. A princípio, o objetivo dessas associações era congregar os membros da comunidade e buscar em conjunto soluções para os problemas de interesse coletivo, mas o problema da educação dos jovens era uma preocupação constante. O desejo da grande maioria dos imigrantes era incutir nas crianças — tanto aquelas que vinham para cá com pouca idade como as que já nasciam aqui — os costumes e o modo de pensar japoneses, bem como capacitá-los a expressar-se habilmente no idioma, para que quando retornassem ao Japão não tivessem maiores problemas.” (COMISSÃO, 1991, pp. 60-61)

Em outras palavras, a estratégia de retorno rápido à terra natal era forte entre os imigrantes e, com isso, tornava-se necessário educar as crianças como japoneses autênticos.

Por volta de 1913-1914, Jinshirō Tagashira começou a dar aulas às crianças na sua própria casa. O estabelecimento ficou conhecido como Grupo Escolar Taishō depois que Shinzō Miyazaki, que mais tarde seria o seu primeiro diretor, assumiu o controle. Segundo a Cronologia da imigração japonesa — edição ampliada (Cronologia, daqui em diante), a escola foi fundada a 7 de outubro de 1915 (HANDA, 1996, p. 36). Em contrapartida, Nanju Suzuki, que já estava no Brasil antes da chegada do Kasato-maru, diz que em 1914 Miyazaki já dava aulas às crianças (SUZUKI, 1941, p. 212). Além disso, a situação na escola já na época de sua fundação era tão caótica a ponto de tornar difícil determinar a data da sua própria fundação. Nanju Suzuki deixou o seguinte relato sobre os primeiros tempos da escola:

“O Grupo Escolar Taishō ocupava uma sala alugada de um casebre, face-a-face com Seihachi Kimura, do lado direito de quem desce a rua Conde. No início, eram apenas três alunos; mais tarde esse número subiu para cinco e, por fim, sete. Pagavam-se 3 mil réis por mês. O aluguel do casebre estava fixado em 20 mil réis, de forma que, mesmo tendo sete alunos, o dinheiro acumulado com as mensalidades ainda não era suficiente para pagar o aluguel” (idem, p. 214).

A escola mudou várias vezes de prédio — sem sair da rua Conde —, até ser reconhecida pelo estado de São Paulo como instituição de ensino particular, em 19191. No ano seguinte foi criado um fundo de apoio à escola e, com o desenvolvimento da rua, o número de alunos foi crescendo aos poucos. Com a morte de Miyazaki, em 1924, o controle da escola passou para Chiune Yoshihara (Jornal Paulista, 2 de outubro de 1975).

Estudantes na escola primaria Taisho (ca.1940)

Com total apoio do Consulado Geral do Japão e da recém-criada Associação Japonesa de Pais e Mestres do Brasil, o Grupo Escolar Taishō se mudou para a rua São Joaquim em outubro de 1928, no lugar ocupado atualmente pela Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (“Bunkyō”). A mudança, na verdade, correspondia — quando muito — a 10 minutos a mais de caminhada em relação à instalação antiga, que também se situava no bairro da Liberdade (ilustração 2). No rés-do-chão ficavam a sala dos professores e as oito salas de aula, enquanto que o dormitório mantido pela Associação de Pais e Mestres ocupava o piso superior (Jornal Paulista, 3 de outubro de 1975). De 1932 em diante, vários docentes recém-saídos das escolas de formação de professores vieram lecionar no Grupo Escolar, fazendo dele a principal instituição de ensino da colônia japonesa no Brasil. Além das atividades escolares, o prédio também sediava as cerimônias ligadas aos quatro principais feriados nacionais (Ano Novo, Fundação do Império, Aniversário do Imperador Presente e Aniversário do Imperador Meiji) e às comemorações da cidade de São Paulo, bem como as reuniões organizadas pelos membros do Consulado. Em outros termos, a escola exercia ao mesmo tempo um papel de integrador psicológico-cultural e de escola de idiomas de uma comunidade étnica.

Segundo o “Censo de alunos dos grupos escolares japoneses (classificados por sexo)”, publicado na seção “Sumário dos grupos escolares japoneses no Brasil” do Anuário do Brasil (1933), o Grupo Escolar era administrada pela Associação de Apoio ao Grupo Escolar Taishō e contava, à época, 3 professores (dois japoneses, ambos do sexo masculino, e uma brasileira) e 132 alunos, dos quais 74 eram do sexo masculino e 58 do feminino (p. 110 e p. 117).

Na segunda metade da década de 30 a administração da escola ficou a cargo da Federação das Associações Japonesas do Brasil. Nessa época, a escola já oferecia ensino nos níveis básico e avançado e contava 9 professores e 200 alunos. Em 1938, uma filial chegou a ser aberta no bairro de Pinheiros. Comparando a situação com os tempos da rua Conde, foi um salto e tanto.

Time de Baseball da escola primaria Taisho (1939)

As disciplinas oferecidas pela escola eram: japonês, educação moral e cívica, aritmética, geografia, história, ciências, ginástica e aulas de canto. As cartilhas seguiam a linha oficial do material didático usado pelas escolas do Japão. No entanto, as entrevistas feitas com ex-alunos da escola dão a impressão de que o ensino oferecido pelo Grupo Escolar era relativamente liberal para a época.

As atividades extra-curriculares incluíam, entre outras coisas, beisebol, sumō e atletismo. O beisebol foi muito popular na época, mas o time de beisebol do Grupo Escolar Taishō já existia há bastante tempo. As partidas realizadas no terreno que havia no sopé da rua Conde entre os times infantil (para menores de 14 anos) e juvenil datam dos anos de 1924 e 1925 (Jornal Paulista, 2 de outubro de 1975). No começo os jogadores usavam calças curtas, luvas de couro de porco costuradas à mão e bastões improvisados, mas a partir da segunda metade da década de 30 esses artigos começaram a ser vendidos em lojas de artigos esportivos da comunidade. Nas fotos dos times de beisebol da época, vêem-se rapazes vestindo uniformes com a inscrição “Taisho”.

Além das atividades esportivas, eram organizadas gincanas culturais com peças curtas de teatro ou de kyōgen (teatro satírico tradicional). Também eram realizadas excursões pela periferia de São Paulo e para o Rio de Janeiro. G.W., que estudou no Grupo Escolar Taishō, fez uma excursão ao Rio de Janeiro pela escola. Na volta os alunos puderam visitar o interior do vapor Argentina-maru. O tenor Yoshie Fujiwara, que havia vindo a bordo do mesmo navio para uma visita à América do Sul, aproveitou a ocasião para visitar a escola e presentear os alunos com uma demonstração da sua bela voz, que foi retribuída com entusiasmo. Esse tipo de educação, que desenvolvia nas crianças o senso estético e oferecia outras atividades fora das salas de aula, era incomum no Brasil. Pelo Grupo Escolar passaram deputados, ministros, diretores do Banco Central, empresários, professores universitários, fundadores de escolas etc. Os filhos dos funcionários do Consulado, ou mesmo do próprio cônsul, estudavam na escola. Pode-se dizer que o Grupo Escolar Taishō foi o berço da elite nikkei no Brasil. Mas, mesmo na pacata vida escolar do Grupo Taishō, já soavam os rumores da guerra...

Notas.
1. A Cronologia registra o surgimento da escola da seguinte maneira: “7 de outubro de 1915: surge a Escola Primária Taishō, localizada na rua Conde de Sarzedas, n.º 38 (hoje n.º 308). Número de alunos: três. Professor: Shinzō Miyazaki (ver Takujin no sokuseki [Na trilha dos pioneiros] p. 213 e Zaihaku dōhō hatten-roku [Progressos dos nossos compatriotas no Brasil], de Kinzō Itami, p. 24) [...]. Como conseqüência de uma iniciativa geral, foi alugado o n.º 38 da rua Conde para servir de escola. Ali passou a funcionar a escola Taishō, ainda com jeito de terakoya (escola improvisada nos fundos dos templos pelos bonzos).
“Em janeiro de 1916, a escola se mudou para o n.º 51 da rua Conde, retornando ao número 48, já com dez alunos na época.
“No dia 29 de janeiro de 1919, a escola foi reconhecida pelo governo estadual como instituição de ensino particular. Em 23 de janeiro do ano seguinte foi fundada a Associação de Apoio ao Grupo Escolar Taishō [...]” (p. 36)

Referências

BURAJIRU Jihōsha (ed.) (1933), Burajiru nenkan [Anuário do Brasil].

CENTRO de Estudos Japoneses (ed.) (1996), Burajiru Nihon imin/nikkei shakai-shi nempyō [Cronologia da imigração japonesa no Brasil]. São Paulo, Centro de Estudos Japoneses, edição revista e ampliada.

COMISSÃO de Elaboração da História dos 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil (ed.) (1991), Burajiru Nihon imin hachijūnen-shi [Uma epopéia moderna — 80 anos da imigração japonesa no Brasil]. São Paulo, Comissão de Elaboração da História dos 80 Anos da Imigração Japonesa no Brasil.

SUZUKI, Nanju (1941), Umore yuku takujin no sokuseki [Na trilha dos pioneiros]. São Paulo, edição particular.

“Taishō Shōgakkō, sono «ayumi»” [Grupo Escolar Taishō — uma “trajetória”]. Jornal Paulista, n.os 6649-6663 (30 de setembro de 1975 a 18 de outubro de 1975).

© 2007 Sachio Negawa

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Sobre esta série

O bairro japonês de São Paulo — sempre que eu me vejo imerso nele, cercado de caos por todos os lados, invariavelmente eu sinto a minha mente como que vazia por um instante e me pergunto: “por que teriam esses japoneses atravessado os mares e construído, do outro lado do mundo, um bairro só deles?”.

Nesta coluna, eu gostaria de dividir com os leitores a história e a imagem contemporânea dos bairros japoneses que eu visitei, procurando não me afastar da pergunta que abre este artigo.

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About the Author

Sachio Negawa é professor-assistente dos departamentos de Tradução e Línguas Estrangeiras da Universidade de Brasília. Mora no Brasil desde 1996. É especialista em História da Imigração e Estudos Comparativos entre Culturas. Tem-se dedicado com afinco ao estudo das instituições de ensino nas comunidades japonesa e asiática em geral.

Atualizado em março de 2007

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