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https://www.discovernikkei.org/pt/journal/2007/3/16/brazil-nihonjinmachi/

À guisa de introdução

Ah, o bairro japonês de São Paulo — sempre que eu me vejo imerso nele, cercado de caos por todos os lados, invariavelmente eu sinto a minha mente como que vazia por um instante e me pergunto: “por que teriam esses japoneses atravessado os mares e construído, do outro lado do mundo, um bairro só deles?”. 

Já faz algum tempo que eu venho lecionando as disciplinas de “Língua japonesa” e “Cultura japonesa” numa universidade brasileira. No contato diário com os estudantes brasileiros, eu descobri que a idéia que eles têm do japonês é, na verdade, aquela imagem estereotípica do japonês fechado, pouco aberto ao convívio social. Às vezes eu tenho a impressão de que os próprios japoneses ajudam a difundir esse discurso de que “os japoneses são um povo fechado”, de que “são sérios demais”. Em contrapartida, eu ouvi certa feita de um imigrante japonês que “nada disso é verdade. Se os japoneses fossem assim tão fechados, será que eles teriam vindo parar aqui do outro lado do mundo?”.

A bem da verdade, entre a idade medieval e o início da idade moderna, os japoneses foram formando ao longo de todo o sudeste asiático (Tailândia, Vietnã, Luzon etc.) pequenos enclaves que ficaram conhecidos como “bairros japoneses”. Os casos de Nagamasa Yamada e a corte de Ayutthaya e dos piratas japoneses, desnecessário dizer, talvez sejam os mais famosos. Com exceção do período de reclusão — ou, melhor, mesmo durante o período de reclusão (sécs. XVII-XIX) —, os nossos antepassados já singravam os mares fazendo contato com povos e nações diferentes.

Com o início da idade contemporânea, essa tendência foi aumentando entre aqueles que saíam do arquipélago. Através da rede de comunicações que se constituíra rapidamente pelo mundo afora, os japoneses começaram a se espalhar por outros continentes, alguns totalmente novos. O contato dos nossos antepassados com o chamado Novo Mundo não é tão antigo; em 1868, ano em que teve início a Restauração Meiji, partiram com destino ao Havaí os primeiros emigrantes japoneses (conhecidos como “gannen-mono”). Em 1885, foram enviados ao mesmo reino os primeiros emigrantes contratados; na Argentina, a imigração japonesa começa em 1896; no México, em 1897; no Peru, em 1898; e no Brasil, em 1908. Em todos esses casos, os japoneses sempre formaram pelo menos um “bairro japonês”1 onde eles pudessem se concentrar.

1908 é considerado o marco inicial da imigração japonesa ao Brasil, com a chegada dos 781 imigrantes contratados (além de outros 12 espontâneos) que foram trazidos pelo Kasato-maru. É certo que, antes disso, náufragos e pessoas relacionadas à navegação ou ao corpo diplomático, além de comerciantes e um ou outro espontâneo, já se encontravam presentes no Brasil, mas eu penso que seja legítimo dizer que a imigração japonesa só começou a se processar de forma organizada e regular a partir de 1908.

Embora a maior parte dos imigrantes japoneses entrados no Brasil antes da Segunda Guerra fosse composta por lavradores, existiu em São Paulo o bairro japonês conhecido como “rua Conde e arredores”. Também se viam concentrações de japoneses nos arredores da rua Cantareira (onde ficava o Mercado Municipal) e no bairro de Pinheiros. No pós-guerra um novo bairro japonês começou a se formar em torno da rua Galvão Bueno, a uns tantos metros de distância da rua Conde indo-se na direção oeste. A partir dos anos 70, essa área tornou-se um ponto de concentração de outros imigrantes asiáticos, como taiwaneses, coreanos e chineses. Com a chegada desses novos imigrantes o centro comercial étnico expandiu-se, permitindo assim a convivência pacifica entre esses povos. Hoje essa parte da cidade é conhecida como o bairro oriental de São Paulo (tōyōgai). De antigo bairro japonês, a região evoluiu e tornou-se um ponto comercial e turístico conhecido na cidade.

No período pré-guerra, também foram-se formando por todo o estado de São Paulo e o norte do Paraná espaços que congregavam grande quantidade de japoneses, conhecidos como “colônias”. A colônia Bastos, inaugurada em 1928 — deixando de lado as discussões sobre a existência ou a não-existência de um caráter urbano em Bastos, então —, assim como as demais colônias, possuía suas próprias estações agrícolas experimentais, serralherias, lojas de consertos, moinhos de arroz, um hospital, um templo e nove escolas primárias, chegando a ser chamada “a vila japonesa de Bastos”. Na mesma colônia, além das terras cultiváveis, foi formando-se um espaço de feições urbanizadas que ficou conhecido como “centro”, de modo que não seria exagero incluir o núcleo na mesma categoria de “bairro japonês”.

Nesta coluna, eu gostaria de dividir com os leitores a história e a imagem contemporânea dos bairros japoneses que eu visitei, procurando não me afastar da pergunta que abre este artigo.

Nota:
1. Os “bairros japoneses” a que eu me refiro neste texto são as áreas em que residem e trabalham os japoneses (nihonjin=japanese=japonés), indivíduos nascidos no arquipélago japonês e que carregam consigo essa identidade étnica, e seus descendentes, todos eles (japoneses e descendentes) definidos como nikkeis por esses ajuntamentos através de um processo lento e pouco tenaz. Pela própria ligação com a palavra “nikkei” o termo “bairros nikkeis” seria mais apropriado, mas adotaremos aqui a notação “bairros japoneses” por ser um termo ao qual já estamos mais acostumados. 

© 2007 Sachio Negawa

Brasil Japantowns São Paulo (São Paulo)
Sobre esta série

O bairro japonês de São Paulo — sempre que eu me vejo imerso nele, cercado de caos por todos os lados, invariavelmente eu sinto a minha mente como que vazia por um instante e me pergunto: “por que teriam esses japoneses atravessado os mares e construído, do outro lado do mundo, um bairro só deles?”.

Nesta coluna, eu gostaria de dividir com os leitores a história e a imagem contemporânea dos bairros japoneses que eu visitei, procurando não me afastar da pergunta que abre este artigo.

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About the Author

Sachio Negawa é professor-assistente dos departamentos de Tradução e Línguas Estrangeiras da Universidade de Brasília. Mora no Brasil desde 1996. É especialista em História da Imigração e Estudos Comparativos entre Culturas. Tem-se dedicado com afinco ao estudo das instituições de ensino nas comunidades japonesa e asiática em geral.

Atualizado em março de 2007

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