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https://www.discovernikkei.org/ja/journal/2009/9/8/fontica-e-ortografia/

Fonética e ortografia do português na ‘província’ do Japão

Este trabalho pretende mostrar, ainda que parcialmente, o modo de representação gráfica do Português feita pela imprensa jesuítica japonesa, mais especificamente pelo padre João Rodrigues (1561-1633) que, na Arte da Lingoa de Iapam (1604/1608) e na Arte Breve da Lingoa Iapoa (1620), fez referências à fonética da língua portuguesa e à sua representação. Pretendemos, com isso, contribuir para o conhecimento da língua portuguesa em uma pequena parte do vasto domínio do mundo lusófono do século XVI.

Nas duas Artes, o padre Rodrigues faz uma descrição da linguística japonesa, tomando como modelo os manuais gramaticais do latim da época, notadamente o De Institutione Grammaticae Libri Tres (1572), de Manuel Álvares (1526-1583), de onde tomou emprestados desde a estruturação do assunto em três partes, chamadas ‘livros’, nas quais descreve a prosódia do japonês, a flexão das palavras e da sua colocação na oração, até a concepção básica do que se entendia por gramática na época. Ao mesmo tempo, porém, o padre Rodrigues não deixou que escapasse marcas lingüísticas próprias do japonês e inexistentes nas línguas européias, tentando explicá-las na parte denominada Modo de falar.

O padre Rodrigues escreveu a gramática em português para que os missionários europeus recém-chegados ao Japão ou por vir pudessem aprender a língua japonesa para as suas tarefas de catequese. Sendo assim, a aprendizagem da língua visava basicamente o domínio do japonês oral, o que justificava o uso do alfabeto latino para a transcrição de palavras e frases japonesas. Isso requereu de Rodrigues o estabelecimento de regras de grafar, assim como de descrição dos sons, que foram tratados na parte sobre a ortografia e sobre o modo de pronunciar (fólios 55 a 58 e 172 a 180, na Arte da Lingoa de Iapam, e fólios 6 a 12v, na Arte Breve da Lingoa Iapoa).

É justamente da comparação do japonês com o português que Rodrigues dá notícias de alguns aspectos da fonética e da ortografia da língua portuguesa usada no Extremo Oriente. O levantamento de dados e de sua análise foram divididos em duas partes: em primeiro lugar, trataremos das vogais e, depois, das consoantes.

SOBRE AS VOGAIS

Ao explicar a representação dos sons longos [o:] e [u:] pelas letras ŏ, ô e ŭ, observamos Rodrigues descrevendo o modo como deve ficar a cavidade bucal para pronunciá-los: “boca aberta”, “com a boca um pouco fechada, ajuntando os beiços em roda” ou “com a boca, & beiços abertos” (Ver Quadro 1). Sabemos que o latim apresentava a oposição de quantidade no seu sistema de vogais mas o português a eliminou. A forma como explicou Rodrigues parece indicar justamente a inexistência da vogal longa no português oral do século XVI. Na Arte da Lingoa de Iapam, ao explicar a pronúncia da representação gráfica ŏ, no item 1, Rodrigues descreve o modo de articulação e compara como a pronúncia portuguesa. Mas no item 2, além das duas informações (modo de articulação e semelhança com a pronúncia portuguesa) acrescenta que “he como se o escrevesemos com dous, oo”, fazendo supor que o ó, em minha avó, enxó, capa de dó, possuia a prolação longa como no latim.

No Português arcaico a grafia y alternava-se, de modo irregular, com j e podia substituir a vogal i, como em inteiro, ynteiro ou jnteiro, mas nos ditongos prevaleciam as letras y e i. Nas duas Artes não temos já o uso do j para substituir o i vogal mas aparece o y em algumas poucas palavras como yrão e syntaxis, co-ocorrendo com irão e sintaxis; e há mais ditongos com y do que com i: foy, mays, proveytosas, etc.. Apesar de a grafia y nunca aparecer seguida das vogais a, e, o e u, formando ya, ye, yo e yu, no texto em português das Artes, essas sílabas estão largamente utilizadas na transcrição de palavras e expressões japonesas e Rodrigues afirma que são pronunciadas como em desmayar e desmayo, do português.

As grafias u e v se equivaliam no Português arcaico (escrevia-se brauo ou bravo; vsar ou usar). Na língua portuguesa do século XVI e da Ásia Oriental prevaleceu esse uso irregular mas quando essas grafias vinham seguidos de alguma vogal era sempre consoante e pronunciava-se “carrega(ndo)” e “ferindo rijamente os beiços” (Rodrigues 1993 [1620]: f. 10v e 1976 [1604/1608]: f. 57v).

SOBRE AS CONSOANTES

Nas citações abaixo, percebemos que a escrita portuguesa no Oriente ainda não discriminava a grafia que para [ke] ou [kwe], etc., e por influência do latim, os estrangeiros que não dominavam o português pronunciavam [kwe], o que obrigou os jesuítas a transcreverem o [ke] por qe, mas na Arte Breve, Rodrigues opta por transcrevê-lo por ke.

      “Mas por quanto em algumas dições, V, ficar liquido, seja regra geral, que estas quatro syllabas,

Qui, que, gui, gue

      , se ande pronunciar como no Portugues, Quitar, quero, guia, guerra, nas de mais dições quando se seguir outra vogal, fica liquida,...” (Rodrigues 1976 [1604/1608]: 126 [f.57v]).

“E nisto o Portugues tem muita confusam no escreuer; por onde os estrangeiros cometem erros, & se habituam mal no pronunciar estas lingoas, dizendo em lugar de, Ke, Ki, & Ghe, Ghi, Que, Qui, Gue, Gui, liquide.” (Idem 1993[1620]: 52 [f.11]).

O fonema /tch/ grafado com ch parece ter se conservado desde o Português arcaico até o século XVIII. Das citações abaixo, ao menos no Português do século XVI e falado no Oriente, as grafias Ti e Chi tinham sons diferentes, já que Rodrigues afirma que a língua japonesa não tinha ti mas em seu lugar usava-se chi que, por sua vez, pronunciava-se como no Português chito e no Italiano ci.

      “Em sua lingoa & pronunciação (do Japonês) tem todas as letras & syllabas de duas letras que tem o Portugues & o Latim acabadas em alguma das cinco vogais, ou nas consoantes N, M, T, tirando as letras L, & R, dobrado, & as syllabas,

Ti

      , di, tu, du, se, si, ce, ci, va, ve, vi, vo, vu, ze, zi: por q aynda que tem va, vo, não se pronuncia como o nosso quando he consoante, como se dira” (Rodrigues 1976 [1604/1608]: 121 [f.55])

“SYLLABAS DO I, RO, FA, A QVE chamão Goin, e se lem a traves & decima para baixo, assi como aqui se poem. ... Ta, Chi, Tçu, Te, To....” (Rodrigues 1976 [1604/1608]: 123 [f.56])

“Ajuntãdo as duas syllabas. Chiya, Chiyo, Chiyu. Escreve(m) & pronu(n)ciam. Cha, Cho, Chu. Que os Italianos escreue(m). Cia. Cio. Ciu. Vt, sacacciare, acccio, ciufolare.” (Rodrigues 1993 [1620]: 40 [f.6])

“... As syllabas, Cha, Che, Chi, Cho, Chu, ... Que o italiano escreue, &c le, Cia, Cij, Cio, Ciu.*... se pronunciam ao modo Portugues. Vt, Chapeo, Chito, Cheiro, Chupar,...” (Rodrigues 1993 [1620]: 54 [f.12]) (*o correto seria, Cia, Ce, Ci, Cio, Ciu, conforme nota de Hiroshi Hino)

O s intervocálico e o z, no Português arcaico, tinham pronúncias distintas já que o z soaria como /dz/. No início século XVI, apesar do z perder a oclusiva d, continuou sendo feita a distinção na escrita e só na segunda metade desse século é que surgiram confusões na grafia (Paiva 1988: 36). Rodrigues diz que a língua japonesa não possui o s, simples “como no Latim, & no Portugues assi como Cesar, casa, casar, &c. Mas tem propriamente letra, Ç, portuguesa, & castelhana, como quando dizemos, çapato, caça, moço, doçura” (1976 [1604/1608]: 125 [f.57]) e que “A outra syllaba (que “nos não temos”) he, a que ategora escreveo com Zzu, o qual modo nada responde à pronunciação natural de Iapão, & porisso se deve escrever com Dzu, por que asi como Tçu, fere T, & C, assi nesta syllaba se fere D, & Z: ...” (Ibidem: 127 [f.58]), de onde podemos supor que o s era um pouco mais “fraco” que o z e este não era tão “forte” o ao ponto de soar /dz/, som já inexistente no Português daquelas parte de então.

Quanto ao /s/, os Portugueses distingüiam o escrito com s (ou ʃ) “brando como no Latim, & Portugues, como sam, Casa, Cesar, Caso, Summa” e o grafado com ç “como no Portugues, ou Castelhano antigo, Çapato, Caçar, Moço, Almoço, Doçura, que sam como syllabas dobradas, ...”, além do ss, muitas vezes grafado com ß ou ʃʃ. (pessoa, peʃʃao ou peßoa).

Em Roma, honra, Rodrigues fala que a letra r “he dobrada” supondo semelhança com erro, derradeiro, mas “he simples” em serey, cirio, cerol, ceruleo.

Rodrigues afirma que as nha, nho, nhu são pronunciadas como no Italiano gha, gno, ghu. (1976 [1604/1608]: 54 [f.12]).

Xa, xe, xi, xo, xu em Xaque, almoxarife, peixe, perrixil e queixo, por exemplo, equivalia a /ch/ não se pronunciava “como no Latim com, Cs, nem como em algumas partes de Europa onde se pronuncião guturalmente...” (Rodrigues 1976 [1604/1608]: 125 [57]).

Da breve análise das citações acima, podemos depreender que, para que os leitores pudessem compreender e reproduzir bem oralmente a língua japonesa, Rodrigues utilizou como estratégia de explicação da fonética:

      1. a descrição dos pontos de articulação e o modo ‘mecânico” de utilizar principalmente a boca para a pronúncia correta; e

 

      2. a semelhança com línguas já utilizadas ou conhecidas pelos missionários: o latim, o português, o italiano e o castelhano.

 

Algumas considerações sobre a fonética e ortografia do português nas missões japonesas

Neste trabalho, pretendemos mostrar o português falado e escrito num espaço geográfico e temporal limitado: o Extremo Oriente, no século XVI. Trata-se de um domínio de comércio de particulares, fora da autoridade do Estado português e de forte influência da missionação jesuítica, que de início era constituída basicamente de portugueses e passou a ser, posteriormente, de castelhanos e italianos. Vimos também que a revolução clássica latina na língua portuguesa, do Renascimento, não afetou a língua oral e vulgar, justamente a utilizada nas longínquas ilhas do Oriente. Assim sendo, percebe-se a existência de um português não literário, não culto e sem a latinização pelo latim clássico. Daí o interesse por esta breve pesquisa e em documentos não literários, com dados que descrevem ou explicam, e não só reproduzem graficamente, a fonética e a representação desse português.

Lembramos que o movimento de sistematização da língua portuguesa inicia-se em meados do século XVI mas considerando a produção tipográfica e a sua recepção da época, o fosso das línguas culta e vulgar, assim como a distância geográfica com a metrópole, as propostas de disciplinação da língua dificilmente teria ecos no início do século XVII. Mas pudemos notar, ainda que timidamente, o surgimento de algumas regras, tais como ... & tambem em nossa ortografia no principio da diçam nunca se começa por duas consoantes semelhantes...” (Rodrigues 1976 [1604/1608]: p. 127 [f.58], grifo meu). Sobre essa duplicação de mesma consoante no início da palavras, Paiva (1988: 38) afirma que nos séculos XV e meados de XVI ainda ocorria: “... Já o s forte com o som de ss podia aparecer no início ou no interior da palavra, sem reduplicação: servise (servisse)...; do mesmo modo podia aparecer duplicado no início e no interior da palavra: sservir (servir), ssy (si) ssonhar, ssentença, ssentimento, emssejo, enssyno (ensino), defenssor, consselho. ... O r duplo também podia ser grafado no início ou no interior da palavra: rrey, rredondo, rrecado, rrepartimento (ato de repartir, divisão); homrrosa (honrosa), terrey (terei), verria (viria); por outro lado, pode-se encontrar r simples com valor de r duplo: recorer (recorrer), tera (terra), barete (barrete).” (grifo meu)

Bibliografia:
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Cortesão, Jaime. 1968. O império português no Oriente. Lisboa: Portugália Editora.

Doi, Tadao. 1944. Ro-shi Shobunten-no Rômaji tsuzuri (A representação gráfica em alfabeto latino na Arte Breve da Lingoa Iapoa de Rodrigues). Hashimoto hakase kanreki kinen kokugogaku ronshû (Artigos sobre lingüística japonesa no livro comemorativo aos 60 anos de Prof. Shinkichi Hashimoto). Tóquio: Iwanamishoten.

Ferreira, Tito Lívio. 1980. A Ordem de Cristo e o Brasil. São Paulo: IBRASA.

Flores, Conceição. 1993. Comércio português entre o Japão e o Sião nos séculos XVI e XVII. Revista de Cultura. Macau: Instituto Cultural de Macau.

Janeira, Armando Martins. 1970. O impacte português sobre a civilização japonesa. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Morais-Barbosa, Jorge. 1969. A língua portuguesa no mundo. Lisboa: Agência-Geral do Ultramar, 2a. edição.

Oliveira e Costa, João Paulo. 1993. Portugal and Japan - The Nanban Century. Lisboa: Portuguese State Mint.

Paiva, Dulce de Faria. 1988. História da língua portuguesa II. Séculos XV e meados do século XVI. São Paulo: Editora Ática.

Rémy. s.a. Goa, Roma do Oriente. Lisboa: Livraria Berthand.

Silva Neto, Serafim da. 1952. História da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Livros de Portugual.

Spina, Segismundo. 1987. História da língua portuguesa III. Segunda medade do século XVI e século XVII. São Paulo: Editora Ática.

© 2009 Eliza Atsuko Tashiro

言語 言語学
執筆者について

サンパウロ大学で文学を卒業し (1991 年)、言語学の修士号 (1997 年) と博士号 (2003 年) を取得しました。現在はサンパウロ大学の准教授として日本語の授業を担当している。彼はパウリスタ・ジュリオ・デ・メスキータ・フィーリョ大学の教授を務めました(1992~2007年)。言語史学(日本言語史、宣教言語学、文法学史)を中心とした日本語学の分野で研究を行っています。外国語としての日本語教育に関する仕事も行っている。

2009 年 5 月更新

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