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Os imigrantes e as inovações na agricultura brasileira via CAC

Em tempos de centenário da imigração japonesa no Brasil, falar daqueles pioneiros e seus primeiros descendentes, muito mais do que lugar comum, é um reconhecimento pelo legado que deixaram não somente às gerações seguintes, mas também à sociedade brasileira que os acolheu. Dentre os vários legados, pode-se dizer que a inovação foi um dos mais emblemáticos. Neste caso, não se trata da tecnologia de ponta traduzida pelos automóveis, processadores, semicondutores ou nanotecnologia, mas da inovação relacionada à agricultura.

Em 1927 teve início a “Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia – Sociedade Anônima” em Moinho Velho, município de Cotia a 27 km a Oeste da cidade São Paulo. Por iniciativa de Kenkiti Simomoto foi criada uma organização com o intuito de proteger e fortalecer os imigrantes japoneses produtores de batata da região, não apenas no que dizia respeito à comercialização, mas também ao acesso a informações técnicas que pudessem aumentar a qualidade e produtividade do produto.

Em 1933, diante da necessidade de ampliar o escopo de atuação da Cooperativa, os estatutos foram alterados e ela passou a se chamar Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC), pela necessidade de incorporar outros produtores, como os de hortaliças e tomate. A CAC foi responsável por avanços importantes tanto do ponto de vista técnico como do ponto de vista de gestão e mesmo no estabelecimento de novos referenciais, como por exemplo, a demonstração da viabilidade econômica da pequena propriedade agrícola. Esta não estava vinculada apenas e tão somente à agricultura de subsistência ou estava subordinada à grande propriedade agrícola, mas, por meio de uma exploração racional e de alta performance a pequena propriedade poderia ser economicamente viável.

Uma das primeiras inovações difundidas pelos imigrantes no âmbito da Cooperativa, ainda nos primeiros anos, foi a prática de correção do solo para melhoria da qualidade e produtividade, tanto com a utilização de adubos químicos, como orgânicos. Além do adubo orgânico adquirido dos matadouros da região, foi introduzida a calda bordaleza, feita com sulfato de cobre e cal. Implantada a partir de uma publicação técnica japonesa, a inovação tinha como finalidade proteger a plantação de batatas contra certas doenças. Além disso, aqueles agricultores passaram a selecionar as melhores variedades, começaram a importar sementes da Holanda, introduziram uma técnica chamada de “aração profunda” e também instituíram um método de comercialização que privilegiava os produtos de qualidade mais elevada.

Nos seus quase 70 anos de história (1927 – 1994) a CAC é repleta de casos de novos produtos, processos, formas organizacionais e estratégias de gestão. As inovações tinham como fontes os próprios cooperados, o corpo técnico da Cooperativa, os institutos públicos de pesquisa e também informações e conhecimentos vindos de outros países, notadamente do Japão. A plantação de hortaliças em estufas, os enxertos para melhoria da qualidade e resistência dos produtos, a criação de novas variedades como a uva rubi, são algumas das inovações desenvolvidas e disseminadas no âmbito da CAC. Ela chegou a se tornar a maior cooperativa da América Latina, estando presente em quase todos os estados brasileiros com 18 mil cooperados, em sua grande maioria descendentes de japoneses.

Não há como dissociar a história da imigração japonesa no Brasil da agricultura. Os pequenos proprietários rurais, motivados por instituições agrícolas como a CAC, contribuíram significativamente para implantar e difundir o consumo de inúmeros produtos hortifrutigranjeiros. A presença da CAC foi relevante tanto diretamente no campo, com produtos de qualidade, como também fora dele quando promovia a integração dos filhos e esposas dos agricultores. Envolveu o trabalho de preparação do solo para o plantio até a colheita e comercialização dos produtos, passando pela assistência técnica e o intercâmbio entre os cooperados e chegando até a inserção das esposas e filhos dos cooperados no ambiente cooperativista.

Sem dúvida, a grande contribuição da CAC foi para com a agricultura ao participar decisivamente na implantação de inúmeros produtos e técnicas agrícolas. Em muitos casos, como nos exemplos do tomate e da batata, a produtividade dos agricultores da CAC era muito superior à media nacional. Alguns números indicam que a CAC, com menos de 10% da área plantada de batatas no país, era responsável por mais de 20% da produção brasileira. Quanto ao tomate, com pouco menos de 5% da área plantada, ela respondia por mais de 15% da produção. A CAC mostrou-se muito dinâmica em suas atribuições de introdução e disseminação de novas culturas e técnicas no ambiente agrícola.

Houve épocas em que a CEAGESP, Central de Abastecimentos, em São Paulo, tinha a CAC como um importante referencial no comércio dos produtos. A CAC funcionava como um balizador, uma referência na regulação dos preços e nos padrões de qualidade. Além disso, em outros aspectos como embalagens, também era a Cooperativa quem estabelecia os padrões utilizados, seja por criação própria, seja pela observação de outros mercados e adaptação às necessidades da CEAGESP e dos consumidores.

Uma das inovações da Cooperativa, do ponto de vista organizacional e mesmo técnico, dizia respeito aos “Grupos de Produtores” (GP). Face à grande quantidade de produtos com os quais a Cooperativa operava, atender as mais diferentes demandas era uma tarefa bastante complexa. A CAC resolveu instituir os Grupos de Produtores para reunir agrônomos e cooperados de determinada cultura para tratar dos assuntos relacionados às suas respectivas áreas. Nestes Grupos eram discutidas questões técnicas de condução das lavouras, aspectos estratégicos referentes à comercialização, como preço, público alvo, mercado consumidor e todos os assuntos diretamente relacionados aos seus produtos. Estes grupos, portanto, eram formados por cooperados reunidos segundo a cultura para a qual se dedicavam. Havia o Grupo dos Produtores de chá, de soja, de trigo, de banana e assim por diante.

Esses Grupos funcionavam como geradores e difusores de tecnologias, enquanto agricultores e agrônomos discutiam e pesquisavam problemas e soluções em suas respectivas lavouras. Não havia ninguém mais interessado em melhorar a produtividade das lavouras do que o próprio agricultor e o intercâmbio com agrônomos e outros agricultores contribuía para a busca de melhorias para o setor. Constatado determinado problema ou dificuldade, o Grupo se reunia para discutir e buscar a melhor solução. Ou seja, as experiências individuais se agregavam para a solução de problemas comuns. A afinidade profissional e a defesa dos interesses comuns faziam com que os Grupos se estruturassem. Com isso a instituição CAC como um todo também se fortalecia.

O lema da Cooperativa – soma de forças, multiplicação de progresso – e seus símbolos – a abelha e as colméias – retratavam o espírito a partir do qual a CAC foi criada. Espírito este que se perdeu ao longo do tempo face ao gigantismo da instituição e também às crises econômicas pelas quais o país passou nos anos 80 e 90. Ainda que ela tenha deixado de existir, é importante dar créditos e reverenciar àqueles que foram grandes inovadores no seu tempo; criaram e conduziram uma organização que por muito tempo, ajudou a fortalecer os laços de integração e trabalho entre os imigrantes japoneses e; forjaram avanços na agricultura dignos de nota.

© 2008 Newton Hirata

About the Author

Newton Hirata is Adjunct Professor at the Air Force Academy with a bachelor's degree in Administration from UEM (Maringá), master's and doctorate in Political Science from USP (São Paulo). This article was written based on the master's thesis defended by the author in 2001 at the Department of Political Science at the University of São Paulo, entitled: Technological innovations based on tacit knowledge: the case of the Japanese community in the construction of the Cotia Agricultural Cooperative.

Updated April 2008

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